Portel, pequena aldeia da Espanha, inicio do século XIII. Nesta aldeia mora uma familia chamada Sarroy, uma família pobre, que vive cultivando a roça e criando o gado. Marido e esposa são conhecidos e amados por todos pela sua piedade e grande amor para com os pobres. Já faz anos que casaram, mas até agora ainda não chegou o fruto do seu amor. Eles, porém, não desanimam: com muita fé e esperança pedem constantemente ao céu o dom de uma criança. E Deus, que é Pai, não fica insensível às preces e lágrimas de um pai e de uma mãe. Um dia a senhora Sarroy percebe que uma nova vida está brotando do seu coração. Pai e mãe passam os nove meses na feliz esperança de abraçar um filho. Mas os desígnios de Deus nem sempre coincidem com os planos do homem. Nos ultimos dias da gravidez, a senhora vai à igreja para participar da missa. Logo depois da comunhão, ela desmaia e cai no chão. É levada às pressas para casa; mas todo cuidado é inutil. Depois de algumas horas, um homem está chorando a perda irreparável de uma pessoa querida e de um filho tão desejado.
Segundo o costume do lugar, o cadaver da senhora Sarroy ficou insepulto durante vinte e quatro horas. Quando chegou o momento do enterro, um médico que passava por acaso por Portel, sabendo da desgraça, corre à casa enlutada e, inspirado por Deus, toma uma decisão que naquele tempo parecia absurda: tentar extrair a criança do ventre da mãe morta. Ninguem imaginava que a criança pudesse sobreviver depois de tantas horas da morte da mãe. E eis o milagre: logo depois da incisão, apareceu uma maozinha se mexendo; alguns instantes após, vinha à luz uma criancinha linda como um anjinho de Deus. Era dia 2 de fevereiro do ano de 1200. No lugar onde Raimundo nasceu, foi construida uma capela: perto do altar está escrito CUI FU NAT S. RAMON NON NAT (aqui nasceu S. Raimundo NÃO NASCIDO).
A CRIANÇA
O batismo do recém-nascido coincidiu com o enterro da mãe. A criança foi chamada Raimundo Nonato.
Os primeiros anos transcorreram tranquilos. Dizem as lendas que os nomes de Jesus e de Maria foram as primeiras palavras que sairam da boca de Raimundinho. Logo que atingiu as idade escolar, começou a frequentar a escola e a aula de catecismo e, junto com o dever do estudo, outro dever, indispensável me toda família pobre: o trabalho. O senhor Sarroy confiou ao filho o cuidado do seu gado. Obediente, Raimundo vestiu a roupa de vaqueiro e iniciou as dificeis corridas no mato. Gostava imenso da natureza que lhe falava de Deus. Os vaqueiros mais velhos respeitavam o garotinho. Ninguem tinha coragem de dizer palavrões na presença dele. E quando, à noite, o gado dormia nos estábulos, Raimundo tornava-se o pequeno catequista dis seus colegas vaqueiros. O tempo que sobrava do estudo e do trabalho era aproveitado pelo menino que gostava de visitar uma capela dedicada a N. Senhora: foi ali que, pouco a pouco, Raimundo aprendeu aquela tenra devoção para com Maria, sua segunda mãe.
O ADOLESCENTE
Raimundo era homem normal. Como todos os coetâneos, fez a dolorosa experiência do período adolescencial. Sugestões impuras, tentações de preguiça, rebelião contra o mundo dos adultos, tudo experimentou Raimundo adolescente. E venceu. Trabalho e oração foram as suas armas. Uma noite, vexado por más sugestões, Raimundo ajoelhou-se no chão e, com firme decisão, consagrou a sua vida a Deus para sempre.
Uma lenda narra que um dia alguém acusou o jovem, dizendo ao pai que ele, em vez de cuidar do gado, perdia o seu tempo ocioso na igreja. O pai foi para o campo e encontrou, em lugar de Raimundo, um lindíssimo jovem cuidando do rebanho. Cheio de medo e admiração, o senhor Sarroy correu para a igreja, onde encontrou o filho em oração. Os dois foram juntos para o campo, onde estava o gado; mas não encontraram ninguém. O lindo jovem, evidentemente um anjo enviado pela virgem Maria, tinha desaparecido.
O JOVEM
No ano de 1218 nasceu em Barcelona (Espanha) o Instituto Religioso dos Mercedários. A finalidade da nova instituição era muito atual: tratava de resgatar os escravos, numerosíssimos, especialmente na África, e restituir-lhes a liberdade.
Um dia dois mercedários chegaram à casa de Raimundo, pedindo doações para resgatar escravos. O jovem Raimundo Nonato conversou bastante com eles. Ao longo da conversa, uma luz surgiu no seu coração - era Deus que o chamava para o novo Instituto. Raimundo rezou muito na capela de Nossa Senhora e, depois de alguns dias, não teve nenhuma dúvida: a vocação, a sua vocação era ser RELIGIOSO AO SERVIÇO DOS IRMÃOS MAIS POBRES, OS ESCRAVOS. E, diante da imagem de Maria, tomou uma decisão irrevogável: Serei mercedário para sempre. No começo o pai mostrou-se muito contrariado: como poderia perder, para sempre, um filho único e tão querido? Mas Raimundo não desanimou e enfim chegou o pleno consentimento do pai: um forte abraço, misturado com as lágrimas paternas, abriu para Raimundo um novo e definitivo período da sua vida.
O RELIGIOSO
Aos 19 anos de idade, Raimundo Nonato, jovem, forte, inteligente, batia humildimente à porta do noviciado. Foi São Pedro Nolasco, o fundador do Instituto, que acolheu o novo postulante. No meio dos colegas, Raimundo logo se distinguiu pela profunda humildade, pela oração intensa e, sobretudo, pela caridade com o próximo. Chegando o momento da consagração religiosa, quem examinou o jovem foi o famoso teólogo São Raimundo de Penhafort, o qual ficou muito impressionado com a sabedoria do noviço e no registro do Instiuto escreveu: "Maria quis mostrar ao mundo a sua doutrina por meio de Raimundo Nonato".
Aos 21 anos de idade, na presença da Hóstia Consagrada e de toda a comunidade, Raimundo fez o seu solene juramento: "Consagro a Deus a minha vida na castidade, na probreza e na obediência, para servir, até à morte, aos meus irmãos escravos".
O SACERDOTE
Concluído com brilhante resultado o curso de filosofia e de Teologia, Raimundo Nonato foi ordenado padre. Foi o momento em que a chama da caridade, que estava no seu coração, explodiu como um fogo abrasador do mundo inteiro. O estudo profundo, as longas vigílias de oração e a intensa cordialidade nas relções humanas fizeram do novo Pe. Raimundo um guia espiritual perfeito, um verdadeiro amigo de todos os que se aproximavam dele, um coração cheio de calor humano. Todo o mundo gostava de conversar com ele, sobretudo de pedir conselho na intimidade do sacramento da reconciliação. A sua palavra ardente em favor dos escravos comovia os ouvintes e aumentava o número dos simpatizantes pela libertação dos irmãos sofridos.
O APÓSTOLO DA ÁFRICA
Padre Raimundo Nonato, durante toda a sua vida, foi o romeiro do amor. Os escravos, espalhados no mundo inteiro, eram numerosos, sobretudo no continente africano. A situação deles mais se parecia com a condição dos animais, do que com a dos seres humanos. Sem liberdade, sem a possibilidade de conviver com as suas famílias, viviam na completa ignorância. A religião não existia para eles, ou era só um pretexto nas mãos dos donos, para que ficassem calmos, trabalhando como jumentos, com a vaga esperança de um prêmio na vida futura. As metas das romarias do Pe. Raimundo eram as cidades onde mais numerosos e mais maltratados estavam os escravos. Ele conversava com os donos, sobretudo fraterniza com os escravos e, logo que tinha possibilidade, resgatava o maios número possível deles, ajudando-os para que, livres, pudessem adaptar-se na sociedade.
Não era coisa fácil. Muitos escravos libertos se rebelavam contra o benfeitor. Outras vezes eram os donos, que, mal tolerando a pregação evangélica do Pe. Raimundo, obstaculavam-no com calúnias e perseguições. Muitas vezes o jovem mercedário foi amarrado, jogado na prisão com os escravos e espancado ferozmente.
No ano de 1226 numa expedição africana, Pe. Raimundo ficou sem dinheiro. Havia um escravo, pai de família, que chorava constantemente, pensando nos filhos violentamente separados do seu coração. Pe. Raimundo não hesitou: entregou-se em lugar do escravo e ficou na escravidão, até chegar da Espanha o dinheiro para o seu resgate.
O PADRE MILAGROSO
São Raimundo Nonato é um santo milagroso. Não só depois da sua morte, mas também quando ainda em vida, mostrou o seu poder milagroso, fruto da sua grande fé e esperança em Deus. São numerosíssimos os milagres que a tradição atribui a Pe. Raimundo. Todos eles têm uma caracteristica: o amor do santo para com os mais pobres e sofredores.
Quero lembrar aqui só dois milagres dele.
Uma piedosa senhora, muito admirada pela sua honestidade e pelo amor para com a sua família, um dia foi caluniada de adultério por gente sem escrúpulo. Ferida na sua honra, caiu em profunda angústia. Quando a calúnia chegou aos ouvidos do marido, este não hesitou um só instante: cego de ira, pegou uma faca e a fincou no coração da esposa, deixando-a morta na cama, numa poça de sangue. Logo depois, voltando a si, o homem arrependeu-se amargamente. Escondeu a faca no bolso e correu ao convento onde morava Pe. Raimundo. Entrou no quarto do santo e jogou-se no chão aos pés dele. Entre lágrimas margas, fez a sua confissão. Pe. Raimundo ficou calmo: um sorriso amigo brilhava nos seus olhos. Depois da absolvição, o padre abraça o pecador e o consola:
- Meu amigo, como não houve adultério na tua esposa, também não houve homicidio nas tuas mãos.
- Mas, padre, replicou o homem, tenho no bolso a prova do meu assassínio: a faca manchada de sangue.
- Não acredito, responde Pe. Raimundo; mostre-me a faca.
O assassino tira do bolso a faca e solta um grito: estava completamente enxuta e limpa.
Logo correu para sua casa e encontrou a esposa em plena saúde, atendendo aos seus trabalhos de mãe, como se nada tivesse acontecido.
Uma pobre mulher vivia com o marido e a criança num quarto. Uma noite, dormimdo mãe e filho na mesma cama, a criança morreu sufocada. Ao acordar, a mulher lançou um grito de despero. Logo depois pegou o filho no colo e correu para a igreja, onde Pe. Raimundo estava celebrando a missa. Com a fé do despero, a mulher corre para perto dele e coloca a criança morta sobre o altar, suplicando:"irmão, me salve, senão, meu marido vai me matar". Raimundo aumenta o fervor da sua oração. Alguns instantes passam no profundo silêncio da assembléia. Em seguida, lentamente a criança começa a mexer as mãos, os pés, a gritar e a chorar. Co muita simplicidade o padre coloca o filho ressuscitado no colo da mãe feliz.
O MÁRTIR
São Raimundo Nonato não morreu no martírio. Apesar disto, ele é universalmente honrado como mártir de Cristo.
Era o ano de 1236. Pe. Raimundo, com 34 anos de idade, fez mais uma viagem à cidade de El Djazair (ex-Argel, Capital da Argélia, na África). Foi uma viagem pastoral muito frutuosa, porque muito sofrida. Pela segunda vez, ficou na escravidão no lugar de um irmão doente. Apesar do pesado trabalho como escravo, ele continuou a sua missão de padre: pregava o Evangelho e curava os doentes. O seu exemplo provocou a conversão de muitos judeus e muçulmanos. Tudo isto acarretou-lhe ódiio e perseguições. Duas vezes o jogaram numa imunda prisão e o flagelaram violentamente com açoites. Depois da segunda flegelação, quando o padre estava quase exangue, amarraram-no a uma coluna e o deixaram sozinho de noite, esperando a sua morte. No dia seguinte, ao amanhecer, alguns soldados entraram na prisão e, em lugar de um morto, encontraram o santo, alegre, em oração a Deus. Durante a noite tinha sido visitado e curado pelo amigo Jesus. Aproveitando o momento de estupor, Pe. Raimundo começou a falar de Cristo e do Evangelho. Todos os soldados se converteram e pediram o batismo. A notícia chegou aos ouvidos do rei, que no seu furor anticristão, ordenou que os lábios de Raimundo fossem furados e depois fechados com um cadeado, de maneira que nunca pudesse falar de Cristo. Raimundo Nonato ficou oito meses na prisão com os lábios presos. cada três dias, os soldados o desamarravam por alguns minutos, para que pudesse comer, e logo em seguida recolocavam o cadeado. O doloroso martírio só terminou quando chegou da Espanha o preço do resgate.
Assim Pe. Raimundo pôde voltar à sua terra, louvando a Deus e cada vez mais animado na sua missão em favor dos irmãos escravos.
O CARDEAL DA IGREJA
A fama das atividades apostólicas de Raimundo Nonato, a notícia dos seus sofrimentos e do seu martírio chegaram até Roma. No ano de 1237, quando o santo estava ainda na cadeia de Argel, o Papa Gregório IX nomeou Pe. Raimundo Nonato cardeal da Santa Romana Igreja. Foi o mesmo mensageiro que levou a soma para o resgate do santo que, na viagem de volta, comunicou-lhe a notícia, junto com a ordem expressa do seu superior religioso, para que aceitasse a nomeação do Papa. Raimundo aceitou por obediência. Ao chegar de navio a Barcelona, uma multidão enorme estava à espera do herói-cardeal. A recepção foi um verdadeiro triunfo.
Porém, o fato de ser Príncipe da Igreja em nada mudou os hábitos de Raimundo Nonato. Todos os que conheceram, concordam em afirmar que a maior virtude do novo cardeal era a humildade. Não aceitou roupas luxuosas, tampouco uma casa especial onde morar. Ficou no seu convento, mais do que satisfeito com o seu humilde cantinho, como o dos outros religiosos. Um dia estava varrendo a casa, quando chegou um nobre cavalheiro para falar com ele. Ficou espantado ao ver o cardeal na situação de um servo. Mas o santo o acalmou, dizendo: "Olha, amigo, eu não vim para a vida religiosa para ser servido, e sim para servir".
Outra vez os religiosos do convento pediram ao cardeal que fosse ele o superior da casa. Raimundo recusou, dizendo: "Eu não sei mandar, só sei obedecer".
MORRE UM SANTO
Os ultimos anos de Raimndo Nonato podem ser resumidos numa só palavra: amor. O santo amou muito, amou sempre; mas, no fim da sua vida, este amor tornou-se um incêndio. Os parentes e amigos queriam favores do cardeal; mas ele nunca desistiu do seu programa: os únicos favorecidos eram os marginalizados. A sua maior alegria era dar esmola aos pobres. Costumava dizer: Bem-aventurado aquele de cuja porta nunca se afastou um pobre de mãos vazias.
Um dia encontrou um velho que tremia de frio. Logo ofereceu-lhe o seu chapéu. Ao voltar para casa, pôs-se a rezar. Aí teve uma visão: a Virgem Maria com os anjos estavam colhendo flores e tecendo com elas uma coroa. Quando a coroa ficou pronta, Maria colocou-a sobre a cabeça de Raimundo, dizendo: "Quem é misericordioso, obterá a misericórdia. Quem cobriu a cabeça de pobre com o seu chapéu, merece esta coroa".O humilde Raimudo ficou apavorado e respondeu: "Obrigado, Senhora; mas eu não quero nada neste mundo, a não ser Jesus Cristo, e Jesus crucificado".
Naquele mesmo instante, desapareceu a Virgem e viu-se um pobre coroado de espinhos, o qual tirou a coroa e colocou-a sobre a cabeça do santo, dizendo: "Sei que não desejas outra coisa, a não ser esta coroa. Recebe-a e saibas que, pelo caminho das dores, encontrarás as verdadeiras riquezas".
No ano de 1240 o papa Gregório IX chamou o jovem cardeal a Roma. Raimundo, como sempre, obedeceu. Mas durante a viagem adoeceu gravemente. Logo pediu para receber a Eucaristia, como viático. Mas naquele lugar não havia nenhum padre. Raimundo começou a rezar com intenso fervor. E eis que uma procissão de homens com roupa branca apareceu na porta da casa. Um deles, com um cibório nas mãos, entrou no quarto do doente. Raimundo recebeu a Hóstia Consagrada, com lágrimas de gratidão e de alegria. Todos os homens de roupa branca desapareceram. Raimundo ficou alguns instantes em adoração ao Deus-Amigo da sua vida. Depois, serenamente passou desta para a outra vida. tinha 38 anos de idade.
A notícia da morte do cardeal se espalhou e logo começou uma procissão de visitantes. Chegaram também o superior religioso e o bispo. Houve discussão sobre a escolha do lugar da sepultura, até que o bispo decidiu: o corpo do santo foi colocado sobre um jumento cego. O jumento começou a andar numa determinado direção, até chegar, seguido pela multidão, à capela onde Raimundinho tinha começado a sua vida de oração e de doação a Deus para os pobres escravos. Aí foi sepultado o nosso querido Raimundo Nonato, à espera da ressurreição final.