domingo, 27 de junho de 2010
CONHECIMENTO DE CAUSA
Quando o assunto é sertão
Eu rimo e não tenho medo
Porque já furei o dedo
Em caraca de algodão.
Dancei forró de feição
Em latada no terreiro
E assisti violeiro
Se danando nos repentes,
Também escovei meus dentes
Com raspa de juazeiro.
O sertão é um lugar
Completo de inspiração
Em cada canto do chão
Tem um tema pra rimar.
Foi lá no grupo escolar
Que na minha vez primeira
Fiz versos de brincadeira
Para minha professora.
E a boa educadora
Era Maria Vieira.
Lá no sertão meu padrinho
Certa vez me abençoou
E no momento falou:
- Deus lhe dê um bom vizinho!
Eu recebi com carinho
E Deus também atendeu
Porque no caminho meu
Todo vizinho é amigo.
Assim eu trago comigo
A bênção que ele me deu.
Cheguei a participar
Das apanhas de arroz
Comendo baião de dois
E arroz doce no jantar.
Também cheguei a furtar
O santo de uma vizinha
Porque a chuva não vinha
Para o legume nascer.
Depois pegou a chover
E nem plantação eu tinha.
Quando foi pra caminhar
O freio foi minha testa
Mas eu fazia uma festa
Se saísse do lugar.
Para aprender a nadar
No Riacho do Feijão
Meu curso de natação
Foi tronco de bananeira.
Eu colocava em fileira
E amarrava com um cordão.
O Padim Ciço Romão
Não cheguei a conhecer
Mas nunca fui de perder
O começo da missão.
Eu via Frei Damião
Naquele seu caminhar
Andando bem devagar
Abençoando meu povo.
E eu de sapato novo
Querendo lhe acompanhar.
No sertão eu fiz gaiola
Com talo de macambira
Comi pirão de traíra
E ouvi som de viola.
Fiz alpercata de sola
Pra no domingo ir a feira
Descendo pela ribeira
Vendo o sol aparecer,
Brincando de se esconder
Nas folhas da aroeira.
Lá eu fiz cerca de vara
Tomei água de cabaça
Me intoxiquei com fumaça
Quando queimava coivara.
Nas noites de lua clara
Eu ficava na calçada
Prosando com a moçada
Atrás de arranjar xodó.
Mas sempre ficava só
E os outros com namorada.
Eu rimo uma rezadeira
Com o ramo bento na mão
E rimo a fé do cristão
Levando o pau da bandeira.
Rimo a cabocla faceira
Que passa no rebolado
Mas como tem namorado
Ninguém vai mexer com ela,
Pra não haver sentinela
Nem homem virar finado.
Meu transporte era jumento
O acento era cangalha
Meu chapéu era de palha
E a brisa só do vento.
Eu vivia cem por cento
Gostando do meu lugar,
Tinha açude pra nadar
Que era a minha vaidade.
Mas eu ia na cidade
Pra rezar missa e votar.
Foi meu pai lá no sertão
Que me ensinou a verdade
Da arte da humildade
E do valor do perdão.
Se não guardei a lição
É porque fui displicente
Mas é sempre o pai da gente
O primeiro educador.
E como bom professor
O meu pai foi paciente.
Eu só deixei o torrão
A procura do espaço
Mas hoje um verso que faço
Tem tudo com meu sertão.
Eu rimo a sombra do oitão,
A copa do cajueiro,
A chuva de fevereiro,
A alegria do gado
E o canto improvisado
De um aboio de vaqueiro.
Quando o dia amanhecia
Uma sabiá cantava
E mamãe se levantava
Me desejando bom dia.
No mesmo instante eu dizia:
- A bênção mamãe querida,
Já vai começar a lida?
E aquela santa pequena
Dizia com voz serena:
- Deus proteja a sua vida.
Se houver reencarnação
Como já ouvi falar,
Vou querer reencarnar
Nas quebradas do sertão.
Quero ver num barracão
Uma festa de reisado
Com o boi todo enfeitado
E a pinta botando um ovo.
Quero ver todo o meu povo
Pra me lembrar do passado.
Mundim do Vale
Nenhum comentário:
Postar um comentário