quarta-feira, 21 de julho de 2010
HOMEM RACIONAL
Desde que a razão se abrigou em seu peito, ele tem procurado incessantemente esmiuçar o terreno movediço dos sentimentos. A sua casa atual já não é aquela de sua infância, de que ele relembra com saudades; não é a mesma casa onde alimentou os seus sentimentos edipianos. Depois que foi picado pela mosca azul da “sabedoria”, os seus sonhos deixaram de ter aquela eloqüência pueril do tempo em que os “objetos” que povoavam o seu quarto emoldurado de menino, exibiam uma arquitetura sentimental indefinível.
Mas esse homem racional persegue, incansavelmente, com unhas e dentes o ideal abstrato de sua cultura. E o corolário negativo desse ideal é rechaçado como um lixo a ser jogado fora. Entretanto, o resíduo dos sentimentos primitivos “amputados” não lhe deixa em paz, porque a influência dos mitos internalizados no mais profundo do seu ser desconhece a física, a matemática e outras ciências exatas.
A verdade desse homem desconhece que a realidade moderna é uma representação, e por mais que ele tenha a intenção de torná-la “neutra” ou imparcial, não consegue, devido a carga afetiva que o rodeia. Um novo sentido do “real” foi adotado por esse homem racional, que o distancia, consideravelmente de qualquer outro sentido vigente do passado. A verdade científica o deixou frio, e alheio às forças do passado que ainda o rege. A procura de um outro “deus” mais concreto, é sua meta, e isto, o faz viver a ilusão de um dia poder conciliar a imagem divina e paterna do inconsciente judaico-cristão, com os deuses imaginários de outras instâncias religiosas.
Esse homem racional se inquieta com o tal deus paradoxal nomeado à semelhança humana, que se aninha no coração, amoldando-se a forma imaginária, individualizada e sentimental de cada ser. Esse deus com sua verdade abstrata carregada de ambigüidades não o apetece nem mais o entusiasma.
Esse homem é alguém do século XXI, um sonhador apaixonado pela técnica e pela ciência, tentando reorganizar o mundo inteiro para apaziguar os afetos opostos que habitam a sua própria alma. Ele verbaliza em palavras as suas ideias básicas sobre humanismo e liberdade, e assim, vai tirando da somação interminável e asfixiante dos fatos cotidianos a seiva que alimenta o seu projeto de depuração do mundo metafísico civilizacional.
Esse homem é o meu duplo. Está dentro de mim ─ é o meu “eu” racional.
Por Levi B. Santos
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