quarta-feira, 18 de agosto de 2010

BOMBARDEIO


Tácia, escuta minha história
Que foi um caso de fato
Não foi boato ouvido
Não foi causo recontado
Foi uma aflição vivida
E como lição de vida
Vale apenas se escutar

Era no tempo da guerra
Fartura de tanto medo
Todo mundo era assustado
Por causa do estrangeiro
E se acaso acontecia
De passar um avião
O pobre do sertanejo
Encolhia o coração
Pressentindo na zoada
A bomba da explosão

A gente vivia aqui
No sertão desamparado
Vivia brocando a terra
Pra fazer nosso roçado

E justo naquele dia
Meu pai tinha completado
A derrubada da mata
Que ia ser encoivarada
E a terra, querida era
Todo um tapete de espinho

A tarde lá no terreiro
Eu e Laura descuidada
Lá pras bandas do chiqueiro
Nós ouvimos uma zoada

Quando eu olho para o alto
Tácia, eu vejo um avião
Vinha correndo ligeiro
Vinha trazendo estrangeiro
Vinha trazendo explosão




Até hoje eu não sei
O que se passou comigo
Se foi que minha atitude
Diante do inimigo

Gritei por Laura apressada
Pedi pra ela correr
Sabia naquele instante
Que era hora de morrer
E se tinha que assim ser
Eu bem podia escolher
A morte menos pesada

Eu gritava
Eu corria
Eu chamava
Eu insistia
Eu morria de gritar:
Corre Laura
Laura corre
Laura, Laura
Vamos morrer espinhadas
Mas não ser bombardeadas.

E os espinhos entrando
E os espinhos rasgando
Os pés
As pernas
Os vestidos
E nós correndo assustadas
E o avião chegando
E a gente machucada
E o avião rodeando
Nós duas desamparadas
E o avião circulando

O avião voou raso
Passou bem rente às casas
Pegou um rumo e fugiu
E eu e Laura espinhadas
Nas moita refugiadas
Vendo o avião sumir

Aí, Tácia
Quantos espinhos a gente
Não sofre por ilusão

Vamos Laura, vamos embora.
Que dessa bomba agora
Nós não podemos escapar
Vai ser tanta a mangação
Aí, Laurinha, minha irmã
Pra nós duas suportar

Laura olhou pra mim e disse:
Vão mangar é de você
Eu nada tenho com isso
Corri pra te obedecer
Você gritou: - Corre, Laura.
E eu corri pra não morrer.

Vai, levanta vamos Laura
Eu só quero te dizer
Não adianta falar
Não adianta correr
Quando a morte vem devera
Não dá pra gente escolher

E o caso virou piada
Nos encontros da família
Entre morrer espinhada
E morrer bombardeada
Que diferença fazia?

Mas, querida eu não previa,
Que esta vida é uma guerra
E que há bomba e espinhos
Espalhados pela terra

Peguei tanta bomba feia
Que eu voei pelo ar
Voei feito passarinho
Para depois afundar
Cair de ponta no chão
Sair tonta e tateando
Um lugar pra me firmar

Já peguei tanta espinhada
Que até ferida virou
Apostemou e doeu
E depois cicatrizou



Eu quero dizer a ti
Que é braba a guerra da vida
Daquele dia de lá
A gente se lembra e ri
Mas das bombas e dos espinhos
Que a vida em nós atira
É melhor não se falar

É melhor deixar pra lá
Porque se for mexer neles
Dá vontade de chorar

Mas aprendi e te ensino
Guarda bem esta lição
Quem Deus pega pela mão
Nem espinho nem avião
Impedem de caminhar
Nem guerra nem aflição
Esbarrar seu caminhar
Quem Deus pega pela mão
Sofre, chora, mas levanta
E está sempre a caminhar.


Socorro Piau


uma cortesia de Antoneide Piau

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