terça-feira, 21 de setembro de 2010
Protestantes: Filhos da rebeldia e insurreição
América Latina adora governos controladores e ditatoriais. Nós gostamos mesmo é de ser dominados com mão forte e pisoteados por botas sujas de lama, de fazer testes de sobrevivência e de viver com salários paupérrimos. Por fora, desejamos a liberdade mas lá no fundo, nas profundezas do nosso coração, nós adoramos aos Chávez, Velascos, Fujimoris, Pinochets e Ortegas. Por isso que a versão do cristianismo que prioriza o controle prosperou em nossos países. O pentecostalismo, cheio de pastores estritos e exigências de submissão injustificáveis que o povo aceita de boa vontade, é um perfeito exemplo, quase ideal – apesar da “igualdade” que a democratização dos dons proporcionou. Seu crescimento continuará, porque sua proposta combina com o espírito latino, carente da figura paterna e abundante de deuses débeis e servis.
Todo esquema controlador é implantado por etapas, é suave no início, mas acaba por satanizar os seus críticos, enquanto venera as estruturas opressoras como se fossem um santuário incólume que deve se manter pelos séculos dos séculos! Os líderes tem características especiais, cada vez mais altas e mais próximas do “céu”. Os apóstolos de hoje são um claro exemplo: intocáveis, semi-onipotentes, movidos pelo desejo de controlar, razão pela qual desejam ter várias congregações. Um sinergismo perfeito onde todos – aparentemente – estão felizes. O problema é que estar feliz não significa estar bem.
Alguns de nós não enxergam essa estrutura como padrão do céu, antes, com certo temor, entendemos que a igreja assume um grande risco e pode pagar um alto preço por causa do modelo implantado. Cremos que uma relação vertical com o clero não faz bem aos leigos, desumaniza pessoas, não permite que os crentes se desenvolvam e os converte literalmente em rebanho. Contudo, entendemos que esta superação pode levar alguns anos mais. Não, muitos, mas alguns... A tecnologia e a facilidade de interligar pessoas pode acelerar essas transformações.
Enquanto as coisas vão mudando, outros apressam o processo, em aberta oposição ao status quo. É óbvio que a liderança reage, identificando seus oponentes como agentes de satanás. Eles tratam de proteger as estruturas eclesiásticas, proibindo toda crítica, acusando os dissidentes de viverem uma espiritualidade rasa, gente rebelde cujas palavras devem ser ignoradas. Nem quero pensar o que aconteceria se ainda estivessem vigentes os métodos de tortura da época da “santa” inquisição.
Rebeldia e insurreição são, no atual sistema eclesiástico, obscenidades anti-valores dignos de pessoas ímpias, ou de ateus que nada sabem acerca de Deus. Porém, o grande paradoxo é que, caso estas atitudes não tivessem existido na história da igreja, nós ainda estaríamos pagando por indulgências. Se não houvesse rebeldia e insurreição, Lutero jamais teria publicado suas 95 teses, Savonarola continuaria silencioso em seu mosteiro, passivo diante da degeneração dos Borgia, e Calvino nunca teria elaborado sua teologia. Sem rebeldia, nós – evangélicos – sequer existiríamos. Seríamos católicos, ou qualquer outra seita pseudo-cristã, que só em pensar dá calafrios. Se não houvesse revolta e enfrentamento contra o institucionalismo religioso, não existiria uma igreja evangélica. Somos, portanto, filhos da insurreição, e gostemos ou não, isso é o que nos faz diferentes dos outros grupos cristãos. Essa atitude de repaginar o cristianismo deve marcar o nosso caminhar. Logo, rebeldia não pode mais ser considerada uma palavra má.
Abel Garcia
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Abel Garcia é professor no Centro Evangelico de Misiologia Andino-Amazonico e editor do blog Teonomia.
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