sexta-feira, 24 de setembro de 2010
TEMPO BOM: MOCIDADE
Qual o tempo de ser moço, seu moço? Para quem não foi esvoaçado pelo tempo, arremessado pelos familiares num mundo que ainda não era o tempo de se viver, vai lembrar que esse era o tempo da juventude, dos mocinhos e mocinhas que já iam juntando a idade para viver a mocidade.
Moço na idade, mocidade. Ninguém era mais inocente, não podia mais tomar banho nu na biqueira em frente ou nos lados de casa nem era mais costumeiro brincar de boneca de pano nem de cavalo de pau. Soltar pipa somente no pensamento. A mocidade havia chegado, seu moço. O corpo surpreendia a cada instante, o imaginário do mundo se tornava real, dali por diante teria que se viver outra vida. Afinal de contas, já eram mocinhos e mocinhas, seu moço!
Os livros, que não têm nenhum sentimento e nenhuma saudade, dizem apenas que mocidade é o estado ou idade de moço; é o período que antecede a maturidade sexual; é um período de transição do estado de dependência para o de autonomia. Mais acertado aqueles que afirmam ser a mocidade a fase da existência por excelência, aonde tudo chega como aprendizagem e como vontade de experimentação. O frescor, o viço próprio das pessoas moças, eis a mocidade.
Eles, homens feitos para tudo, pois assim pensavam e queriam a tudo custo ser; e elas verdadeiras princesas de vestidos de chita, matizes pelo rosto e aromas derramando-se pelo corpo e quase sempre a presilhinha barata para o vento não danar demais os cabelos. E os sonhos, e os sonhos, seu moço? Depois conto essa história de sonhar na mocidade...
Para as meninas, não existe mocidade sem janela. Ao entardecer nas janelas é que se pode sonhar, olhar para o horizonte e imaginar coisas bonitas que vão acontecer nas suas vidas, olhar para os lados da rua e ver se avista o príncipe encantado chegar. E não raro cantam baixinho, num sussurro de voz levado pelo vento:
Se essa rua
Se essa rua fosse minha
Eu mandava
Eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas
Com pedrinhas de brilhante
Só pra ver
Só pra ver meu bem passar
Nessa rua
Nessa rua tem um bosque
Que se chama
Que se chama solidão
Dentro dele
Dentro dele mora um anjo
Que roubou
Que roubou meu coração
Se eu roubei
Se eu roubei teu coração
Tu roubaste
Tu roubaste o meu também
Se eu roubei
Se eu roubei teu coração
Foi porque
Só porque te quero bem.
Há cantiga popular mais apropriada para ser cantada pelas mocinhas vivendo em plena fase da mocidade? A casinha de madeira, a boneca de pano e os brinquedos de ontem já foram embalados, guardados e esquecidos em qualquer canto da casa. Mãe eu quero um vestido bem bonito, um batom e um perfume bem cheiroso, e não esqueça de comprar uma agenda que eu quero escrever umas coisinhas que fico imaginando.
Começam a pedir para construir um mundo, uma imagem, para começar a falar que existem a partir da beleza física e a gritar por meio do silêncio das palavras escritas na agenda ou no caderninho. Não podem ver um espelho e lá estão se mirando, se embelezando, se penteando. Essa pontinha de cabelo eu não quero aqui, mas aqui. Essa franja está horrível hoje. Mãe será que a senhora podia aparar essas pontinhas?
E na agenda as primeiras poesias. Primeiro a lua é bonita, o sol é luz da vida, a vida é cheia de encantos, o mundo poderia ser melhor se... Depois os planos, os sonhos, os objetivos: um dia, quando a minha vida estiver completa, ajudarei todos aqueles que o destino e a sorte na vida deixaram incompletos! Mais tarde as coisas do coração, os sentimentos brotando e a voz dos desejos expressando tanto quereres.
E chegam os poemas de amor, os versos que falam sobre os olhos lindos do príncipe que vai chegar, a felicidade eterna ao lado do menino mais lindo do mundo, a exuberância do sonhar e desejar. Escreva mais minha menina, pois este é o momento para sonhar. Depois a vida fará releitura de todos os seus sonhos, pode acreditar...
Nessa fase da vida os assuntos sobre sexo eram tão instigantes quanto escondidos e apenas imaginados. Conversando com amigas da mesma idade ou mesmo com pessoas mais velhas, as coisas proibidas causavam vergonha, muitas vezes espanto e sempre um queimor e uma vermelhidão na pele. De tão estranho que eram, começavam a povoar aquelas mentes sonhadoras. Aquilo só quando casar; e filho também, só quando casar. Nem sempre foi assim...
Sempre gostariam de saber muito mais, contudo se contentavam com aquelas informações e certamente ficariam tirando suas conclusões nas muitas tardes e noites em que se trancavam no quarto exclusivamente para dar conta de si mesmas sobre tais assuntos. Sexo, só vou querer conhecer melhor sobre as coisas do sexo quando já estiver maior, moça, próximo a me casar... E ainda vai demorar tanto tempo, meu Deus, até que o menino dos meus sonhos chegue e já se vai um tempão...
Na cidadezinha sertaneja onde vivi minha mocidade as meninas eram assim, agiam assim, sonhavam assim. E graças a Deus eram verdadeiras matutas para o que se vê nos dias de hoje. Já crescidinhas e em idade de namorar, mesmo assim para qualquer rapazinho se aproximar era igual o guerreiro grego querendo invadir Tróia pela porta da frente.
Menina que ainda não tinha tirado fedor de mijo não era para namorar de jeito nenhum. O mundo se acabava se ao menos os pais sonhassem que elas estavam de namorico às escondidas. Quando fosse para namorar tinha de ser à vista de todos, de modo que as más línguas e as fofoqueiras de plantão não começassem a dizer que a filha de Joaquim ou de João quer beijar sem tirar a mamadeira da boca.
Os pais não queriam dar esse prazer maldoso de jeito nenhum. Então as garotinhas enlouqueciam com isso, querendo experimentar as delícias dos encontros, dos beijos e dos abraços, dos bilhetinhos e dos poemas entregues às escondidas, mas não tinha jeito que desse jeito. Eram muito novinhas pra pensar em coisa de namoro. Primeiro estudar e ir aprendendo as responsabilidades de mulher, só muito depois é que podiam sonhar em olhar se o príncipe encantado vinha despontando pela rua.
Mas não tinha jeito. As mocinhas sonhavam e os molecotes faziam os sonhos acontecerem. Na escola, e lá iam eles todos desconfiados, com cabelos lisos de brilhantina e perfumados como Toque de Amor ou Charisma, da Avon, com o que tivessem conseguido para presentear suas pretendentes: um pirulito, um pedaço de bolo de ovos, uma fruta roubada num quintal, um papelzinho com palavras bonitas rabiscadas, uma lua desenhada, um sol esquentando a mão, uma esperança em qualquer coisa.
Conheci uma professora que era gente fina. Solteirona, lacrimosa e arrepiada quanto via homem novo passar, mas gente fina. Servia como mensageira para os recadinhos, dizia se o menino tinha esperança ou não de conquistar ao menos o olhar da colega. Não sabia nada sobre beijos e abraços a coitada, mas sempre dizia que era preciso muito cuidado para as coisas não irem longe demais.
Segundo ela, cada um de nós carrega um vulcão por dentro e este está prestes a explodir a qualquer momento, bastando que o querer fosse transformado em desejo. A coitada ainda não arrumou namorado pelo que ouvi dizer, mas continua exímia professora das coisas do amor. E uma vez ela me disse que aquele momento que vivíamos era tão importante na vida que as pessoas mesmo ficando mais velhas tinham que guardar dentro de si um pouco da mocidade. Perguntei o motivo e ela disse que era porque a mocidade é a única idade da vida verdadeira numa pessoa, e tanto era assim que tudo mundo se lembraria com saudade desse tempo bom.
Lembrar da professorinha gente fina é lembrar de um montão de coisas no enredo dessa fase da vida. Era bom estudar porque somente na escola e a partir da escola, nos recreios e nas saídas, muitas outras coisas podiam acontecer, e efetivamente aconteciam. Mas não há como esquecer do caderninho, do lápis e da caneta, da borracha e da tabuada, da cola e das bolas de papel jogados nos colegas e até na professorinha. E logicamente que vem a lembrança da música "Meus Tempos de Criança" de Ataulfo Alves:
Eu daria tudo que eu tivesse
Pra voltar aos tempos de criança
Eu não sei pra que que a gente cresce
Se não sai da gente essa lembrança
Aos domingos, missa na matriz
Da cidadezinha onde eu nasci
Ai, meu Deus, eu era tão feliz
No meu pequenino Miraí
Que saudade da professorinha
Que me ensinou o bê-a-bá
Onde andará Mariazinha
Meu primeiro amor, onde andará?
Eu igual a toda meninada
Quanta travessura que eu fazia
Jogo de botões sobre a calçada
Eu era feliz e não sabia.
Que saudade da professorinha e de um montão de coisas que fiz e deixei de fazer. O que a gente não fez também deixa saudades, principalmente quando o lastro do tempo vai criando em cada um uma dolorida marca de arrependimento. Eu deveria ter vivido mais, amado mais, sonhado mais, ter sido mais moço na minha mocidade. Mas não, um dia pulei a janela da vida e sem querer me esbarrei diante de muitas pedras que haviam num longo caminho pela frente.
Mas já que pulei a janela tinha que tentar caminhar...
Rangel Alves da Costa*
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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