quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O lobo e o cão


Não tinha um lobo mais que a pele e o osso.
Sinal é que, de orelha arrebatida,
Bem vigilante andava a canzoada
Encontra o lobo um dogue forte, grosso,
Nutrido, luzidio, uma beleza!
Que distraído abandonara a estrada .
Sorri-lhe a nédia presa.

Saltar-lhe logo ali, fazê-la em postas
O seu desejo fora. Dura empresa!
A luta era infalível! Voltar costas
Não usam perros quando são valentes,
E, mais os brutos! dão às vezes cabo
Do fero contendor! Diabo! diabo!
Então aquele, com aqueles dentes!
Humilde o lobo, Pois, encolhe a cauda;
Chega-se ao cão, abaixa-lhe a cabeça;
Puxa conversa; diz que folga em vê-lo,
Que deixe que ele admire, que ele aplauda.
Topá-lo assim... e com tão bom cabelo!...
E rijo! e gordo! Um frade! uma abadessa!

«Esplêndido senhor – o cão responde -
De vós depende o ter igual gordura.
Fugi dos bosques, onde
Por teima da desgraça,
De fome e frio só achais fartura,
Vós, senhor lobo, e a vossa pífia raça.
Dias e dias sem comerem nada!
E lá por festas raras, esquecidas,
Um petisquinho conquistado à espada,
Tragado às escondidas!
Aí é certa a morte!
Furtai-vos a seus braços!
Segui... segui meus passos;
Tereis outro destino e melhor sorte.
Mas como? – volve o lobo.
Fazer então que devo? – Bagatela:
Nem morte de homem, nem de igreja roubo;
Simplesmente estas coisas: não dar trégua
À santa gente rota, mendicante,
Bordão numa das mãos, noutra a tigela,
Que vem inda a distância duma légua
E já tresanda a essência de tratante.
Lamber as mãos ao dono; ser submisso...

Dar coca – é o termo próprio – ao dono e a todo
Quanto bicho-careta houver em casa.
Salário apanhareis que vos apraza:
Ossos das aves, rodas de chouriço,
Restos vindos da mesa, e tudo a rodo!
Até uns tagatés em cima disso!»

Tendo prestado ao cão atento ouvido,
O lobo, coitadinho!,
Com perspectiva tal enternecido,
Não tugiu nem mugiu, mas fez beicinho!
Iam caminho já do povoado,
Quando o lobo notou que no pescoço
O cão era pelado!
Que tens aí? – pergunta em alvoroço.
– Nada, que eu saiba. – Nada?! – Frioleira
– Mas afinal o que é? – Ora!... a coleira,
Com que à noite me prendem junto à porta...
– Prender-te?! – o lobo exclama. Não sais fora,
Não corres livre pela terra inteira
Quando te dá na gana, e a toda a hora?
– Nem sempre. Isso que importa?
– Tanto importa, que toda a trincadeira
Com que me acenas, um tesouro embora,
Por tal preço não quero!»
O lobo finda,
Põe-se logo na perna, e corre ainda!


Tradução de Francisco Palha


http://contosencantar.blogspot.com

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