terça-feira, 3 de maio de 2011
Protestantes no Brasil
Os evangélicos brasileiros formam um contingente que equivale a duas vezes e meia a população de Portugal. E os números não param de aumentar. Templos gigantescos, controles de meios de comunicação, conversões em massa, representantes no Congresso Nacional. Embora uma explosão numérica tenha acontecido nas últimas décadas, os protestantes aportaram aqui no século XVI, tempo em que os católicos portugueses mal tinham se espalhado pela costa brasileira. A colonização do Brasil, iniciada sob o impacto das disputas entre a igreja de Roma e os protestantes, reproduziu ao longo dos séculos XVI e XVII as querelas religiosas do tempo de Lutero e Calvino. Aceitos no país definitivamente apenas na época de D.João VI, os cristãos reformados chegaram em massa ao Brasil no século XIX. O protestantismo se manifestou de diversas formas até o século XX, quando surgiram os movimentos pentecostais.
Primeiros Mártires Protestantes
A presença protestante no Brasil data do período colonial (1500-1822). Os franceses que invadiram o Rio de Janeiro no século XVI, em busca do pau-brasil e de refúgio religioso, eram huguenotes, isto é, reformados de origem francesa. Foram eles que oficializaram, em 1556, o primeiro culto protestante no Brasil. Disputas religiosas que já vinham da França dividiram, no entanto a comunidade, e os protestantes foram obrigados a voltar para a Europa. Os três religiosos que resistiram à intolerância do comandante Frances Nicolau Villegaingnon foram mortos, e são considerados os primeiros mártires protestantes no Brasil.
No século seguinte, em 1624, os holandeses da Companhia das Índias Ocidentais, interessados no comércio do açúcar e outros produtos tropicais, invadiram a Bahia, eles atacaram Pernambuco em 1630 e conquistaram parte da atual Região Nordeste, onde permaneceram até 1654. Nesse período, organizaram a Igreja Cristã Reformada, que funcionava com uma estrutura administrativa similar à européia, oferecendo escola dominical e evangelização aos indígenas e africanos.
Luta Por Território
Durante o período holandês, especialmente no governo de Maurício de Nassau (1637-1644), experimentou-se pela primeira vez no Brasil um clima de tolerância religiosa. Católicos, protestantes e judeus conviviam então pacificamente. Conforme o historiador Frans Schalkwiijk, citando um pastor holandês da época, “essa liberdade era tão grande que se não achava assim em nenhum lugar”.
Com a expulsão dos holandeses, em 1654, tudo voltou ao que era antes: as congregações reformadas desapareceram da colônia, restando o estigma do protestante estrangeiro, visto como “herege invasor” pelo padre Antônio Vieira (1608- 1697), que vivia na Bahia na época da invasão flamenga. A presença sistemática do protestantismo no Brasil, só ocorreria bem depois, na primeira metade do século XIX, após a chegada da corte portuguesa, em decorrência de uma conjunção de fatores de ordem econômica e política.
A disputa pela hegemonia político-econômica na Europa dos finais do século XVIII, entre a França e a Inglaterra, provocou conseqüências para os países europeus e suas colônias. Encurralada pelo bloqueio continental, imposto por Napoleão em 1807, a Inglaterra encontrou em Portugal uma brecha para não ser asfixiada economicamente. A colônia portuguesa na América seria o escoadouro da sua produção industrial, a solução para o boicote da França. Os interesses britânicos na transferência da corte de d. João para o Brasil culminaram na assinatura, em 1810, de dois tratados: O tratado da Aliança e Amizade e o de Comércio e Navegação. O novocenário afetaria sobremaneira o quadro religioso brasileiro, tradicionalmente dominado pelo catolicismo.
Tratados de Paz
Como nação protestante, a Inglaterra garantiu para os seus súditos privilégios de caráter religioso sem precedentes, que se opunham frontalmente, aqui, ao monopólio da Igreja Católica. O Tratado de navegação e Comércio declarava em seu artigo 12, que “os vassalos de SM Britânica residentes nos territórios e domínios portugueses não seriam perturbados, inquietados, perseguidos ou molestados por causa de sua religião, e teriam perfeita liberdade de consciência, bem como licença para assistirem e celebrarem o serviço em honra a Deus, quer dentro de suas casas particulares, nas igrejas e capelas...”
Chegada da Igreja Anglicana no Brasil
A partir da primeira década do século XIX, centenas de comerciantes ingleses se estabeleceram na sede da monarquia e nas principais cidades, usufruindo todas as garantias e privilégios a eles concedidos pelo governo luso-brasileiro. Os britânicos estabeleceram a Igreja Anglicana no Rio de Janeiro, a Chist Church, lançando a pedra fundamental do seu templo em 1819. Nas grandes cidades onde havia empreendimentos ingleses, foram construídas capelas, templos e cemitérios britânicos, pois no período as necrópoles estavam sob a guarda da Igreja Católica, que não permitia o enterro dos protestantes nos seus sítios.
Formação das Comunidades Evangélicas
Outro fator que interferiu no quadro religioso foi a política migratória. Buscava-se resolver o problema da mão-de-obra, composta em grande parte por escravos, e os imigrantes europeus eram uma alternativa viável. A colônia de São Leopoldo, criada em 1824 no Rio Grande do sul, compunha-se de católicos e protestantes, especialmente luteranos vindos da Alemanha. Outras colônias alemãs se instalaram em Santa Catarina, Paraná e Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Os colonos plantavam nas lavouras, fundavam comunidades evangélicas independentes e escolas paroquiais, de língua Germânica para os filhos.
Inicialmente as comunidades evangélicas ficaram praticamente desassistidas, contando com pastores leigos escolhidos entre os próprios colonos, e sem formação teológica. Somente a partir de 1886, a Igreja luterana da Alemanha começou a enviar pastores para o país, fundando-se então a Igreja Evangélica Alemã no Brasil e o Sínodo Rio-grandense. Posteriormente, foram criados sínodos em outras províncias.
Primeiros Missionários Estrangeiros
Um fator que contribuiu para a vinda dos missionários estrangeiros foi o avivamento religioso ocorrido na Europa no final do século XVIII e que se difundiu para os Estados Unidos na virada do Século XIX. Em decorrência do fervor evangelístico, várias sociedades missionárias foram organizadas nas primeiras décadas do século XIX com o objetivo de converter almas.
O contexto socioeconômico e político dos Estados Unidos desempenhou um papel importante nesse processo. Dentre os 10 mil sulistas que deixaram os Estados Unidos após a guerra de Secessão (1861-1865), cerca de dois mil se radicalizaram no Brasil. Faziam parte desse grupo alguns líderes religiosos que não só exerciam funções pastorais, mas se transformaram em verdadeiros agentes a serviço da imigração, a exemplo de Bellard Smith Dunn que se estabeleceu em juquiá, litoral paulista. Para ele, o Brasil era a nova Canaã, a terra prometida onde os derrotados da guerra civil poderiam reconstruir suas vidas.
Outro fator importante foi a intensificação do comércio entre Brasil e Estados Unidos, após 1860. As missões protestantes faziam parte de um movimento de expansão norte-americana na América Latina. Os missionários que chegaram ao Brasil eram homens do seu tempo- da expansão capitalista dos Estados Unidos. Não por acaso, os primeiros missionários batistas a chegarem ao Brasil, desembarcaram no Rio de Janeiro, no navio da companhia da família Levering, família batista que aqui negociava com café.
Inicio da Igreja Presbiteriana e Metodista no Brasil
A Igreja Evangélica Fluminense (congregacional), fundada em 1858 no rio de Janeiro, foi o primeiro grupo protestante de origem missionária no Brasil. Em 1862, estabeleceu-se a Igreja Presbiteriana em São Paulo e a Igreja Metodista. Praticavam uma liturgia copiada do modelo americano e prescreviam uma ética rigorosa, que se definia em oposição à religião do Império, que já consideravam a sociedade brasileira pecadora, atrasada e condenável pela influência do catolicismo.
Oposição e Consolidação da Presença Evangélica no País
A hierarquia católica sempre reagiu à concorrência, porém nenhum outro fato agravou tanto as tensas relações entre católicos e protestantes no Brasil quanto à aprovação, pelo Senado imperial, da liberdade de culto. Quando da tramitação do projeto em 1888, o arcebispo-primaz no Brasil protestou com veemência contra aquilo que em sua opinião, “dissolveria entre os brasileiros a unidade de doutrina em matéria de fé”. Com o advento da República-que separou a Igreja do Estado- caíram as últimas amarras jurídicas que cerceavam a atuação dos evangélicos, propiciando a consolidação do protestantismo no país.
Elisete da Silva doutora em História Social, professora da Universidade Estadual de Feira de Santana (BA) e autora da tese Cidadãos de outra pátria: anglicanos e batistas na Bahia (São Paulo, FFLCH-USP, 1998). Publicado na Revista Nossa História Edição 38.
http://atendanarocha.blogspot.com
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