Há muitos dias que venho tendo saudades de ter saudade, mas ontem me veio relembrança demais.
Onde se esconderam minhas bolas de gude, meu cavalo de pau, minha fazenda de palitos de picolé, minha bola de meia, meu boi de barro, minha vaca quebrada, minha infância?
Como anda você, da fotografia hoje amarelada, da carta toda amassada, da promessa de um dia, do encontro marcado que não cumpriu, do amor demais que eu sentia, do abraço que quase dei, do beijo que não roubei?
Preciso saber onde está minha rede de varanda, minha esteira de espalhar pelo chão, minha cadeira de balanço, meu tamborete de madeira, minha espreguiçadeira de tecido grosso e bonito, minha tarde, meu entardecer, meu sono bom para sonhar com você.
Quero de volta meu pé de laranja lima, o meu amigo Zezé, minha jabuticabeira, meu sombreado pé de jaca, meu umbuzeiro carregado, meu lindo pé de mamoeiro, meu araçaizeiro tão escondido no mato, meu pé de manga caindo já feito suco, minhas manhãs crianças e minhas tardes famintas.
Aonde anda o menino sertanejo que tomava banho pelado em dias de trovoadas, aquela menina linda com sua boneca de pano e sua casinha no canto da casa, aquele outro moleque atrevido fazendeiro de ponta de vaca, o vaqueiro que aboiava sorrindo, meu amigo que disse que ia jogar bola nas nuvens pra chutar a bola no céu?
Quero de volta minha papa-d’água, meu mingau de farinha, minha fruta amassada, minha fralda encardida, meu choro e meu tombo, meu sorriso de poucos dentes, minha irresignação e meu ninar, quero aquela cantiga de boi com cara preta e tudo, do bicho-papão que vem pegar, da rua toda enfeitada de brilhante para o meu amor passar.
Quero o arco-íris, o banho na cachoeira, jogar uma pedrinha no rio, ver pingo d’água na água, subir na montanha e falar com Deus, abrir os braços e querer voar, abrir a boca e querer cantar, fazer um sermão na montanha só com o teu nome e repetindo sempre que te amo, te amo...
Onde anda o passarinho que tirei da gaiola, o papagaio que chamava seu nome, o velho cachorro tão amigo e caçador, os pardais que sujavam o meu quarto todo, as andorinhas que faziam os meus verões, os bichos que vinham passear no meu quintal porque eu não fazia mal?
Deram-me tudo diferente, mas prefiro comer no quintal, em prato de estanho e caneca de alumínio, comer com os olhos e as mãos, comer de boca cheia e sabor, pedir mais sarapatel, carne frita e peixada, rabada e feijoada, galinha de capoeira, pirão de capão de mulher parida.
Se me der ainda aceito porque preciso, porque estou com muita saudade do gibi tão disputado, da matinê com faroeste, da mocinha no jardim, do poema de pouca rima, das palavras escondidas, da mão tremendo para dar o presente, da maçã do amor que ela nunca aceitava.
Tô com saudade de tudo, daquilo que muito fiz e daquilo que não faço mais, como viver de esperança, sonhar que ainda sou criança, correr sem saber aonde ir, só pela vontade de chegar a qualquer lugar e depois voltar sem cansar
Minha mãe sabia tudo que eu tinha e tenho saudade, mas ela se foi desse tempo, ela partiu numa noite, ela não está mais aqui pra dizer que a gente pode tudo, mas tudo daqui pra frente, pois até mesmo o presente só serve pra ter saudade.
Se eu lembrar mais alguma coisa e tiver saudade já não será tamanha assim, pois tudo rapidamente diminui, tudo vai morrendo em mim, até que talvez uma saudade...
Rangel Alves da Costa*
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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