terça-feira, 2 de agosto de 2011

EU E ANTONIO FREIRE


Na fase de transição , entre criança e adolescência, em início de férias, viajei para minha cidade Várzea Alegre, ausentando-me dos canaviais do Recife, dos maracatus de baque solto e baque virado, os afoxés, as tubas dos frevos, das baronesas do Capibaribe. etc. Viajei de férias escolares, levando comigo , no meu bornal, a apreensão, hábitos e costumes, cultivados na zona da mata. Primeira experiência -viagem de trem, aportando em Cedro, e depois traslado de Jipe. Senti-me um viajor, turista, invasivo em cidade estrangeira. Mesmo sabendo que retornava depois de alguns lustros as minhas origens. Praticamente não conhecia a família e sendo recebido carinhosamente pelo mano Edvar Moreno. Assim, “mais cansado do que nunca”,esperava-me uma rede macia “tecida por mãos maternais”, armada corretamente no cantinho de um dos quarto, sim na da casa que nasci. Naquele lugar, senti-me agasalhado e protegido mais do que nunca. Adormeci embalado pelos sonhos maviosos de recordação; Sono profundo.
Ao alvorecer, passei a ouvir os clarins do galo. Em sucessivo, fui acordado, por uma figura celestial, de gesto humilde, compassivo, generoso, trazendo-me um copo de leite, morno, tirado de uma daquelas damas de leite que pastava no quintal. Tudo diferente no seu paladar, pois além da pureza do produto, extraído da fonte,continha o cheiro do homem-vaqueiro, tisnado pelo sol adusto, inclemente. Ele era adornado com uma barba branca e sorriso largo , chapéu na cabeça.
Só podia ser uma visão de um taumaturgo, asceta, pois como poderia explicar a magnitude desse gesto. Aquele “santo” homem, meus amigos, me brindava com a chegada, queria me fortalecer, me alimentar, e nisso simbolizava gesto de incomum fraternidade. Ora, como se pode admitir um reles adolescente, sendo acolhido por um senhor simples, de barba branca, de chapéu, chinelas de couro, curvando-se de generosidade, dando-me as boas vindas. Isto aconteceu por todo período que lá permaneci.
Refleti no tempo - - nessa relação fraternal não havia contabilidade, pretensão de remuneração, de contraprestação, até porque eu nada dispunha e sendo senhor do meu destino “somente as mãos e os sentimentos do mundo”. Diante desse quadro mavioso, tornei-me, perante a vida - um eterno devedor, continuo inadimplente, e permaneço infringindo as regras da natureza. Quanto é difícil e raro, adotar-se tamanha magnitude.
Hoje, tisnado pela maçaranduba do tempo, revolvo o passado, buscando o velho amigo - ANTONIO FREIRE, guardando dele eterna gratidão. Minha primeira lição escolar. Onde estará o meu protetor, a minha figura mítica, o guardião de nossa família, do meu pai, irmãos, notadamente de EDVAR MORENO e seus filhos, com que conviveu por longos anos. Não mais o encontro, aquele vaqueiro, agricultor, filho legítimo da natureza divina. A sua imagem rediviva permanece, molhando-me as vezes de lágrimas, que desce silente na “planura do rosto”..
Salve amigo - ANTONIO FREIRE DE VÁRZEA ALEGRE, você se encontra altivo, presente, no escrínio do meu coração. Obrigado por aquela expressão literal, de um trovador, de um agricultor, quando uma vez disse graciosamente : “ neste ano irei plantar uma roça que o anum não atravessa de um voo.”

Vicente Moreno Filho (Douglas)

*Foto ilustrativa do google

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