quarta-feira, 30 de novembro de 2011
LUIZ GONZAGA O DESABAFO DO REI
Eu nasci no sertão pernambucano
Deus me fez sua imagem e semelhança
Como Cristo sofri muito na infância
Fui pro mundo pra fugir dos desenganos
Eu levei mesmo uma vida de cigano
Defendendo o Nordeste abandonado
E agradeço a Deus por ter nos dado
Cada poeta que cantei suas obras primas
E na fiel pregação dessa doutrina
Fiz da sanfona meu trono, e do baião meu reinado
Nasci pobre e levei vida campestre
Conheci cada palmo do meu chão
Para mim o paraíso era o sertão
E a terra prometida era o Nordeste
Cada palmo inóspito do Agreste
Para mim era um ponto de abrigo
Era sala de visita pros amigos
Era templo de prece e oração
Um reduto para o louvor do baião
Desabafo pra maldição dos castigos.
Dei formato ao xote nordestino
Espalhei o baião no mundo inteiro
Não fiz nada pensando só no dinheiro
Estava escrito nas estrelas meu destino
Puxei fole desde os tempos de menino
Defendendo os fracos e humilhados
Pedi paz prol Exu ensangüentado
Que vivia sob a lei da carabina
E o Papa, com o branco celeste na batina
Disse Obrigado cantador! Cantador, muito abrigado!
Certo dia fui-me embora com tristeza
E só por causa de um simples namorico
Pois namorar com a filha de um cabra rico
Aumentou muito mais minha pobreza
Desolado fui parar em Fortaleza
Parecendo um bezerro desmamado
De sanfoneiro fui promovido a soldado
E parecendo Jeca Tatu, de farda, quepe e botina
Um protótipo da chapada araripina
Arrependido, indeciso, saudoso e apaixonado
Ostentei o aboio do vaqueiro
Adotei chapéu de couro e gibão
E quando um dia arrumei meu matulão
Levei tudo que precisa um sanfoneiro
Fui bater no Rio de Janeiro
Fui modesto e nunca me fiz de rogado
Lá fiz bico como um desempregado
Tocando tango e outras milongas argentinas
E a puxada da sanfona nordestina
Era um ¨quadro na parede¨ em meu passado
Segui firme na minha trajetória
Mas ¨como dói¨ relembrar o meu traçado
Eu transformava a tristeza num xaxado
Cantei junto com o povo as nossas glórias
Escrevemos juntos a nossa Historia
Padecendo em solo estorricado
Eu vi o sol, um gigante avermelhado
Transformar o paraíso em caatinga
E revoadas de ¨aves de rapina¨
Festejar o pavor do chão rachado
Pelas águas escassas do sertão
Naveguei por este triste cenário
Palmo a palmo fui vencendo o meu calvário
Nota a Nota fui dedilhando o baião
Cada vez que parei numa estação
Parecia um mensageiro esperado
Fiz acordes no meu fole prateado
Suplicando pela proteção divina
Fiz do baião a sagrada tribuna nordestina
Pra clamar em favor dos desprezados
Quantas vezes cantei que fiquei rouco
Muitas vezes com a alma estrangulada
E outras tantas com uma sanfona escrachada
Sacudindo uma sala de reboco
Todo tempo quanto houver pra mim é pouco
Pra dizer que durante o meu reinado
Com meu fole nos braços acalantado
E afinado como um galo de campina
Fiz de tudo pela causa nordestina
Cantei baião, puxei fole, pedi paz e dei recado
Quantas vezes em vão eu protestei
Exigindo justiça social
Fui porta-voz incondicional
Simplesmente dos clamores que escutei
E o canto mais forte que cantei
Foi a sina do homem flagelado
Pra cantar já nasci predestinado
E com meu pai puxei muita concertina
Engoli muitos soluços em surdina
Aprendendo as lições dos deserdados
Fiz de tudo pelo meu nordeste esquecido
Combalido pela miséria desnutrição e epidemias
Pelas doenças endêmicas,o nanismo, diarréia, beribéri e anemia
Eu vi mulher morrer de parto junto com o recém nascido
Eu vi tanto cabra macho virar homem esmorecido
Eu vi criança com cuia disputar lama com o gado
Eu vi a maracutaia acabar com nove Estados
E vi tanto cabra safado trocar ética por propina
Que fiz de tudo pela causa nordestina
Mas parti para o céu desenganado.
Tibúrcio Bezerra
tiburciosousa@hotmail.com
(98)88325439
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