sábado, 30 de outubro de 2010

SORVETE NO ESTÔMAGO


Hoje me aconteceu uma coisa terrível! Meu celular tocou e eu adivinhei que era você. Foi a primeira vez que eu adivinhei que era você. Tive um clique, sei lá. Coisa de mulher. E olha que eu nem sou o tipo de mulher que tem “coisa de mulher”. Revirei a bolsa. Chave. Escova. Agenda. Livro de autoajuda. Revista do mês passado. Carteira. Portamoeda. Batom. Creme para as mãos. Outro creme que eu não lembro mais pra que que serve, mas tenho usado no rosto. Absorvente. Um recorte de jornal que eu recortei sei lá por quê. Perfume. Pacotinho de sal (vai que a pressão cai). Fone de ouvido. Enfim. Celular. Era você. E quando li o seu nome, piscando, meu estômago gelou. Foi a primeira vez que meu estômago gelou por você.

Droga! O que foi isso? Não sei, só sei que foi desconcertante a ponto de eu deixar meu celular ser tragado novamente para o buraco negro que é a minha bolsa. Ou melhor. Sei sim. Claro que sei. Já tive isso antes. Mas não quero aceitar. Estava indo tudo tão bem. Eu tinha tudo sob controle. Eu vinha me divertindo tanto. Agora vem meu estômago gelar por conta de um telefonema besta no meio da tarde. Não há de ser nada. Pode ter sido o sorvete que eu tomei agora há pouco. Desde que mundo é mundo as pessoas sentem o estômago gelar quando tomam sorvete. Ou ao menos deveriam sentir. Faz todo sentido.

Não! Não! Não! Mil vezes não! Não é o que eu estou pensando. Acabou a minha serenidade para olhar as menininhas te chamando de “gatinhu” no Orkut e achar graça. Já estou me vendo amanhã conferindo o Orkut de todas elas. Uma por uma. Acabou minha autonomia para recusar um convite seu porque estou cansada. Já estou me vendo cruzando a cidade, às nove da noite, depois de um exaustivo dia de trabalho. Acabou minha paz de espírito. Já estou me vendo grudada no telefone o dia todo, e atualizando a caixa de e-mails a cada vinte segundos, esperando por um sinal seu.

Música romântica, nem pensar. Estou terminantemente proibida de ouvir qualquer coisa que tenha menção ao amor. Amor? Eu disse amor? Disse! Por que tantas músicas têm que falar de amor? Falta de originalidade. Com tanto assunto no mundo. Ninguém quer saber de cantar os hipopótamos albinos do Zimbábue. Aliás, imagine se 80% das músicas que existem no mundo falassem sobre os hipopótamos albinos do Zimbábue. Ninguém iria suportar. Ninguém iria querer saber de música. Agora, o amor pode ser tema insistentemente repetido. Por quê? Por que o amor é mais importante que os hipopótamos albinos do Zimbábue? (Existem hipopótamos albinos no Zimbábue?).

Vai dar tudo certo. É só eu não ouvir nenhuma música romântica e, assim, não alimentarei o meu cérebro com imagens de nós dois, lindos, dançando, no fim da festa do nosso casamento, após todos os convidados terem ido embora. Eu, com um vestido branco gelo, daqueles que dão até dor na vista. Mas com batom vermelho, para contrastar. Você, com um terno italiano grafite, com riscas de giz. Ai, fodeu. Pensei! Droga. Droga. Droga. Droga. Mil vezes droga! Não aguento mais esse meu cérebro fértil, esse meu estômago gelado e esse meu coração parecendo uma bomba, prestes a explodir.

A culpa é sua. É, não vou suportar esse fardo sozinha. Quem mandou ser tão lindo, inteligente, engraçado, cheiroso, TU-DO-DE-BOM? Simplesmente terrível.

Meu celular tocou e eu adivinhei que era você. Foi a primeira vez que eu adivinhei que era você. E quando li o seu nome, piscando, meu estômago gelou. Foi a primeira vez que meu estômago gelou por você. Foi tão desconcertante que eu nem atendi.

Fernanda Pinho


Fonte: Crônica do Dia

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