terça-feira, 22 de março de 2011
Judaísmo — A Sua Teologia
A sua crença tenaz na unidade e transcendência de Jeová era o ponto central em toda a doutrina do Judaísmo. Em contraste com a multiplicidade de divindades que o mundo pagão admitia, o judeu conservava zelosamente o seu curto mas incisivo credo de Dt 6:4: “Ouve, ó Israel, Jeová, nosso Deus, é o único Deus”. O exclusivismo judaico no culto é amplamente atestado pela atitude que os gentios tomavam para com eles. Eram geralmente acusados de ateísmo, não porque negassem de toda a maneira a existência de um deus, mas porque se recusavam persistentemente a reconhecer a realidade de qualquer divindade a não ser a sua própria.
Os rabinos davam considerável relevo à paternidade de Deus. A frase introdutória da Oração ao Senhor, “Pai nosso que estás nos céus”, não era novidade. Já Isaias se tinha dirigido a Deus dando-Lhe esse nome:
“Pois tu és nosso Pai, ainda que Abraão não nos conhece, e Israel não nos reconhece; tu, Jeová, és o nosso Pai, nosso Redentor desde a antiguidade é o teu nome” (Is 63:16).
O rabi Akiba ensinou que os Israelitas eram filhos de Deus:
“Amados (de Deus) são os Israelitas, em que eles serão chamados filhos de Deus; ainda mais amados em que lhes é dado a conhecer que são chamados filhos de Deus” (1) (cf. Dt. 14:1).
Esta relação pessoal de Deus com Israel expressa na figura da paternidade, foi posta em relêvo principalmente pelos professores palestinianos. Filo, que pertenceu à ala helenística do Judaísmo, tinha uma concepção mais filosófica de Deus. Deus é eterno, imutável, santo, livre e perfeito. Porque é superior a todos os outros seres, não é possível defini-lo em comparação com êles, visto que definição seria, assim, equivalente a limitação. Este conceito esclarece uma tendência para despersonalizar Deus, que existe ainda no moderno Judaísmo. Deus torna-se, assim, um ser real, mas vago e indefinido, a respeito de cujo caráter e de cujas atitudes se não podem fazer asserções definidas. Talvez esta incerteza acerca da natureza de Deus, que surgiu originalmente de uma hesitação em limitá-Lo, fosse a razão do que há de indefinido em João 1:18 “Ninguém jamais viu a Deus...” Neste ponto o Cristianismo foi além do Judaísmo, apresentando um Deus que era não semente Deus único e real, mas também pessoal e cognoscível.
Segundo a teologia judaica, o homem é criação de Deus, dotado da capacidade de escolher a obediência ou a desobediência à lei revelada de Deus, e, assim, escolher as consequências de vida ou de morte (Dt 30:11-20). O principal objetivo do homem na vida era cumprir os mandamentos de Deus e manter tôdas as práticas que foram prescritas para o povo em geral: nomeadamente, a circuncisão, a guarda do sábado, as várias festas anuais, e o culto da sinagoga. A lei sumariava todos os deveres do homem e estabelecia a sua relação com Deus.
Para os judeus o pecado consistia principalmente numa relação errada com a lei revelada de Deus. A falha em obedecer a um dos seus preceitos era considerada pecado, fosse esse preceito “pesado” como o mandamento “Não matarás”, fosse “leve” como a proibição de tirar do seu ninho uma ave com a sua criação ou com os seus ovos (Dt 22:6,7) . Esta atitude judaica tem reflexo no Novo Testamento em Tiago 2:10 “Pois quem guardar a lei toda, mas tropeçar num só ponto, tem-se tornado culpado de todos”. O Judaísmo não estabelece distinção entre a lei moral e a lei cerimonial, porque ambas estavam inextricàvelmente ligadas à vida de todo o povo. A todos os deliqüentes era aplicado o castigo do pecado, a saber, a separação do povo eleito; a todos, repetimos, e não somente àqueles que tivessem cometido um crime violento; por isso, da mesma maneira, àquele que tivesse negligenciado qualquer ordenança fundamental, como a circunsição, ou àqueles que tivessem comido carne com sangue (Lv 17:14).
No período que antecedeu o exílio, galardões e castigos estavam ligados com o destino da nação como um todo: Se a nação observava a lei de Deus e O adorava a Ele só, prosperava. Se a nação caía na idolatria e na negligência da lei de Deus, sofria reveses políticos e econômicos. O pecado era avaliado e julgado numa escala comunal e não individual. Havia, naturalmente, consciência pessoal do pecado, como o mostra o Salmo 51, mas as implicações sociais e nacionais da conduta individual eram mais marcadas no Judaísmo do que o são no moderno cristianismo protestante.
O desarraigamento da nação no cativeiro, tendia a destruir a ligação do galardão e castigo com a subida e a descida da prosperidade nacional na terra. O cativeiro era uma disciplina que a nação devia suportar até o tempo em que Deus achasse próprio restaurá-los, mas, nesse intervalo, as gerações que nascessem e morressem tinham de, elas próprias, encarar os desfechos da vida e da morte. Este era o problema que Ezequiel defrontou. Quando os fatalistas do seu tempo lhe diziam “os pais comeram as uvas verdes, mas os dentes dos filhos se embotaram”, respondia de que a responsabilidade do indivíduo com Deus não era determinada pelos pecados ou pelas virtudes dos seus antepassados, mas, sim, pelos seus próprios atos.
“Pela minha vida, diz o Senhor Jeová, não tereis mais ocasiões de usardes êste provérbio em Israel. Eis que todas as almas são minhas; como o é a alma do pai, assim também a alma do filho é minha: a alma que pecar, essa morrerá” (Ez 18:3,4).
Esta reafirmação da responsabilidade individual está de acordo com a posição do Judaísmo refletido no Novo Testamento. O jovem rico mostrou profunda preocupação com a sua relação individual para com Deus, a despeito do fato de sentir que tinha guardado completamente todos os preceitos da lei moral (Mt 19:16-22). A responsabilidade comunal foi transferida do povo como habitantes da terra para o povo como eleito de Deus; a manifestação dessa eleição do povo está na sua solidariedade social mais do que na sua localização na terra.
A teologia do castigo e do galardão, quando aplicada à vida individual, abriu a questão da imortalidade e da vida, além-túmulo. Pouco nos é dado no Antigo Testamento a respeito destes assuntos. Jacó e Davi aludem ambos ao Sheol, obscura e sombria região dos mortos, onde estes se podiam juntar aos seus filhos que tivessem morrido precocemente (Gn 37:35, 2 de Sm 12:23). Eni nenhuma parte das mais antigas escrituras existe uma afirmação direta a respeito da ressurreição do corpo, embora Jesus interpretasse a declaração de Deus a Moisés “Eu sou o Deus de Abraão. o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó” (Ex 3:6) como significando que Ele não era o Deus de mortos, mas de vivos (Mt 22:32). Sugestões a respeito da ressurreição emergem primeiramente dos livros poéticos e, mais tarde, dos profetas. O Salmo dezesseis, que se atribui a Davi, diz:
“Pois não abandonarás a minha alma ao Sheol. Nem permitirás que o teu santo veja a corrupção. Far-me-ás conhecer a vereda da vida: Na tua destra há delícias para sempre.” (SI 16:10,11)
Isaias, ao predizer os juízos futuros de Deus e a salvação de Israel, diz:
“Os teus mortos viverão; os teus cadáveres ressuscitarão, Despertai e cantai, vós os que habitais no pó; porque o teu orvalho é como o orvalho das ervas e a terra lançará de si os seus mortos.” (Is 26:19)
Em Daniel ocorre também uma predição da ressurreição:
“Muitos dos que dormem no pó da terra acordarão uns para a vida eterna, e outros para a vergonha e desprezo eterno.” (Dn 12:2)
A escassez relativa de referências à vida no outro mundo ou à ressurreição, pode parecer estranho quando consideramos o fato de que o Judaísmo foi uma parte da revelação divina aos homens. A revelação, todavia, trazia em si um processo educativo que estava Intimamente ligado ao desenvolvimento de Israel na terra da Palestina. O seu título de posse da terra era condicionado à sua conduta nesta vida, e a sua recompensa como grupo era limitada a este mundo, pois a recompensa comum e o castigo comum dificilmente seriam distribuídos noutra vida, onde o destino individual era o fator determinado. A ênfase sob a lei para a nação judaica incidia sobre a salvação individual no aquém, mais do que sobre a salvação individual no além.
Os livros apócrifos e os apocalípticos são mais explícitos. O desconhecido autor da Sabedoria de Salomão, que escreveu provavelmente em Alexandria nos meados do século segundo antes de Cristo, diz:
“As almas dos justos estão nas mãos de Deus e nenhum tormento lhes tocará ... e, se bem que sejam castigados por algum tempo, receberão grandes bênçãos, porque Deus experimentou-os e achou-os dignos dEle” (Sabedoria de Salomão 3:1,5).
No segundo de Macabeus, resumo tirado do original de Josão de Cirene, aparece claramente o conceito duma ressurreição. Judas Macabeu, segundo se diz no 2 de Macabeus 12:42-44, conseguiu, por um ataque de surprêsa contra Górgias, governador da Iduméia, recuperar os corpos de alguns judeus que tinham sido mortos numa escaramuça anterior com os idumeus. Quando foram sepultar os corpos, encontraram sob os casacos dos mortos coisas consagradas aos ídolos. Judas, para expiar o pecado cometido pelos falecidos, atuou como segue:
“E tendo juntado uma coleta, mandou doze mil dracmas de prata a Jerusalém para serem oferecidas em sacrifício pelos pecados dos mortos, sentindo bem e religiosamente da ressurreição: porque, se ele não esperasse que os que tinham sido mortos haviam de ressuscitar um dia, teria por coisa supérflua e vã o orar pelos mortos.”
(2 de Mac 12:43-44)
O “sheol” era considerado um estado intermediário que precedia a ressurreição e as recompensas e castigos finais. No 2 de Mac 6:23, Eleazar, um mártir, fala de ir para o Hades; e, uma vez que ele, como homem justo, deve ser destinado à ressurreição antes mencionada, o seu estado no Hades deveria ser apenas temporário.
Também nos apócrifos aparece um dia de juízo em que os répobros seriam enviados para a bem merecida condenação e os justos serão justificados. Os justos “tendo sido um pouco castigados ... serão grandemente recompensados” (Sabedoria 3:5), enquanto que os réprobos “não têm esperança nem conforto no dia do julgamento” (Sabedoria 3:18). No 2 de Esdras e em Enoque há numerosas alusões a um dia futuro de condenação, se bem que as afirmações nem sempre sejam coerentes.
A esperança Messiânica do advento de um libertador político era forte no período decorrido entre os dois Testamentos. Nos apócrifos, salienta-se o 2 de Esdras como um apocalipse Messiânico. Oesterley entende que este livro é uma compilação do trabalho de vários autores que escreveram entre 100 e 270 d.C. (2) . O livro, mesmo nesta data tardia, pode ainda ser independente de influência cristã ,visto que é claramente judaico e não contém qualquer alusão à pessoa de Cristo. Tem de ser uma tradução do original hebraico. Prediz que o reinado divino sucederá ao domínio de Roma; que o Messias governará por lei; e que, depois de ter completado a sua obra, morrerá e se seguirá o juízo. Os Salmos de Salomão, escritos no primeiro século antes de Cristo, descrevem a vinda de um rei justo para Israel, que será sem pecado e reinará sobre os gentios (51 17). Em toda esta literatura não é apresentado o Messias em sofrimento pelos homens ou redimindo-os pelo seu sacrifício pessoal. A esperança Messiânica e o seu conceito apocalíptico que se vê em Daniel e que é tratado desenvolvidamente em livros mais tardios, constitui o fundamento para aquela pergunta que os apóstolos fizeram a Jesus e que provocou o Seu conhecido discurso do monte das Oliveiras (Mt caps. 24,25) .
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Notas
(1) Veja G. F. Moore, Judaism (Cambridge: Harvard University Press, 1927), Vol. II, p. 203, chamada 2.
(2) W. O. Oesterley, An Introduction to the Books of the Apocrypha (New York: The Macmillan Co.), págs. 147, 155, 156.
http://bibliotecabiblica.blogspot.com
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