sábado, 26 de março de 2011
O PASTOR E POETA EVANGÉLICO QUE 25 ANTES DE MORRER ESCREVEU COM SERENIDADE SOBRE SUA PRÓPRIA MORTE
Em uma manhã de sábado, dia 5 de dezembro de 2009, perdemos o sublime poeta evangélico Joanyr de Oliveira. No domingo, dia de descanso, Dia do Senhor, dia em que o pastor e poeta completaria 76 anos de idade, seu corpo foi sepultado no Cemitério Campo da Esperança, em Brasília.
Conheci Joanyr de Oliveira em 1978, quando ele esteve no templo sede da Assembleia de Deus em Natal, para lançar a Antologia da Nova Poesia Evangélica, livro que reunia poemas de poetas evangélicos brasileiros e portugueses, aos quais, durante vários anos, Joanyr havia orientado, doutrinado, corrigido, aconselhado, através da famosa seção de poesia da revista A Seara, Contato Poético.
Por eu ser um dos autores incluídos na antologia, o nosso líder maior, o saudoso pastor João Batista da Silva, para minha surpresa, chamou-me até o púlpito para que a igreja me conhecesse, para que eu recebesse um abraço do poeta Joanyr de Oliveira, e para que ele me presenteasse com um exemplar autografado do livro que me incluía como o único poeta norte-riograndense a figurar naquela antologia.
Para um rapaz desconhecido, inexpressivo, interiorano, cheio de sonhos, admiração e respeito pelos ícones da literatura evangélica brasileira (Joanyr de Oliveira era o nosso maior poeta), foi uma emoção única, inesquecível.
No ano seguinte, já transferido pela Marinha e morando no Rio de Janeiro, visitei o pastor Joanyr, que era Diretor de Publicações da Casa Publicadora das Assembleias de Deus. Pouco mais de dois anos depois, recebi dele e do pastor Abraão de Almeida o convite para trabalhar como membro do Departamento de Jornalismo daquela editora.
Deus traçou minha trajetória de trabalho naquela Casa. Uma das honras que obtive foi substituir o pastor Joanyr de Oliveira na condição de comentarista da seção Contato Poético, da revista A Seara.
E quando, em fevereiro de 1985, entre muitas outras atividades jornalísticas, iniciei meus trabalhos de crítico e orientador de poesia, abri aquela seção comentando um poema de Joanyr de Oliveira, intitulado Despedia, talvez, no qual nosso saudoso amigo despedia-se poeticamente da vida. Ora, para nossa felicidade, só quase 25 anos depois é que o poema tornou-se realidade plena na biografia do poeta.
Pagando hoje uma dívida de amigo, de admirador, de assíduo leitor de seus poemas, e prestando uma justíssima homenagem ao grande poeta que Joanyr de Oliveira foi e continua sendo todas as vezes em que um poema seu é lido, transcreverei a seguir seu poema Despedida, talvez, seguido do nosso comentário escrito naquela época:
DESPEDIDA, TALVEZ
Joanyr de Oliveira
Pelas portas de janeiro
Estendo antigos poemas
Que até parecem alheios
E estão repletos de luas...
Quem os dirá algum dia
Na placidez destas ruas?
Pelas portas de janeiro
Ao Universo eu espio
E afago. E me sinto pronto
Para esquiar as estrelas:
Anseio agora tocá-las
Porque cansado de vê-las...
Pelas portas de janeiro
Vislumbro as plagas do céu
E a luz que as aureola
Em coloridos sem fim,
Que nascem das mãos eternas
E passam também por mim.
Pelas portas de janeiro
Olho, e me amadureço
Para apagar as palavras
Das pessoas mais queridas,
Trocando-as tranquilamente
Por celestes avenidas.
Pelas portas de janeiro
Minha alma voa tão leve
A beijar sóis e arcanjos
Que os olhos plenos de luz
E a concha azul de meus versos
Colhem a voz de Jesus.
Uma rápida identificação e análise dos recursos usados por Joanyr de Oliveira no poema Despedida, talvez, certamente nos levará a entender melhor alguns dos mecanismos acionados pelos poetas durante seu processo poético.
É certo que não faremos, por enquanto, uma completa identificação dos elementos que compõem a parte técnica do poema de Joanyr de Oliveira, pois isto implicaria em termos que apresentar aqui uma ampla definição de métrica, rima e estrofação, além de fazermos um breve histórico das escolas literárias.
Por enquanto, o leitor deve saber que no poema Despedida, talvez, foram usados versos de sete sílabas. (Verso é cada linha que compõe o poema; a reunião de vários versos forma uma estrofe. O poema de Joanyr de Oliveira é composto de cinco estrofes; cada estrofe tem seis versos).
Quando analisávamos as linhas gerais deste poema, com o propósito de encontrar “a ponta do fio do novelo” que nos conduziria à sua essência, ao sentimento que desencadeou sua carga poética, lembrando-nos de um poema do genial poeta português Fernando Pessoa, onde ele, como Joanyr de Oliveira, também se despede de seus versos:
Da mais alta janela da minha casa
com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade.
E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário (...).”
Mas o sentimento que motiva o restante de sua poesia é bem diferente do sentimento que conduz Joanyr “pelas portas de janeiro”.
O grande poeta evangélico sente-se como um fruto maduro, pronto a “esquiar as estrelas”, e em condições de apagar as palavras/das pessoas mais queridas,/ trocando-as tranquilamente/ por celestes avenidas/. Em suma: é a serenidade com que o tema da morte é encarado pelos evangélicos. Joanyr calca sua poesia nesta atitude tranquila.
Para os evangélicos, não existe atitude de revolta e inaceitação diante de morte – reações muito comuns no espírito daqueles que não têm esperança de “beijar sóis e arcanjos”, e mergulhar na plenitude de luz de Cristo. Ninguém, que não tenha a esperança que temos, poderá entender porque encaramos a morte com tanta serenidade.
O próprio poeta português Fernando Pessoa, diante da morte de Sá-Carneiro, seu amigo e confrade em poesia, deu provas de uma profunda incompreensão e amarga resignação:
Nunca supus que isto que chamam morte
Tivesse qualquer espécie de sentido...
Cada um de nós, aqui aparecido,
Onde manda a lei certa e falsa sorte,
Tem só uma demora de passagem
Entre um comboio e outro, entroncamento
Chamado o mundo, ou a vida, ou o momento;
Mas, seja como for, segue a viagem
(...)
O verso inicial de Joanyr, Pelas portas de janeiro, encima as demais estrofes de Despedida, talvez, e é responsável por essa sensação de saída (portas) e de arrebol e início (janeiro) que se forma em nosso espírito a partir do momento em que iniciamos a leitura.
Na primeira estrofe, Estendo antigos poemas/Que até parecem alheios/
e estão repletos de luas/, representam a cristalização de uma obra (no caso de Joanyr, a soma de sua produção poética) que amadureceu e passou a pertencer mais às pessoas que a leem e assimilam do que ao próprio autor que a produziu. (Lembremo-nos da pérola: quanto mais ela se desenvolve no interior da ostra, mais aumenta sua condição de “corpo estranho” no seio daquela que a está formando).
Lua á uma figura muito usada pelos poetas para representar um estado onírico (sonho). E quando a alma do poeta estiver voando leve pelas plagas do céu, será que seus versos continuarão sendo lidos na placidez destas ruas?
E estrofe por estrofe, o poeta vai-se predispondo a partir, a “esquiar as estrelas”, a aproximar-se delas e tocá-las “porque cansado de vê-las”. E já vislumbra as regiões do céu (plagas), e já sente-se tocado pela claridade que nasce das mãos eternas, e maduro o suficiente para “apagar as palavras das pessoas mais queridas”.
Sua alma, que voa leve e é beijada por sóis e arcanjos, banha-se de luz. E Joanyr encerra o poema com uma imagem que envolve cor (“azul de meus versos”, que lembra também o azul do céu) e som (“voz de Jesus”), que lembra a saudação divina: “Vinde, benditos de meu pai...” (Mateus 25.34).
Poetas que não conhecem ou conheceram Jesus não escrevem poemas assim. Manuel Bandeira, um dos maiores nomes da poesia brasileira de todos os tempos, desnuda sua alma solitária, sua vida transcorrida longe dAquele que poderia ter-lhe dado a plenitude existencial e a felicidade eterna, neste tocante poema (entre outros):
ANDORINHA, ANDORINHA
Andorinha lá fora está dizendo:
-“Passei o dia à toa, à toa!”
Andorinha, andorinha, minha cantiga
é mais triste:
Passei a vida à toa, à toa...
Quem não tem Jesus como Redentor de sua alma, vê o seu destino, a transitoriedade da vida de forma pessimista, melancólica. Muitos esperam a morte como o poeta judeu-brasileiro Augusto Frederico Schmidt a esperou e expressou em um de seus poemas:
PAZ DOS TÚMULOS
Ó paz dos túmulos
Ó frio das tardes invernais nos cemitérios
Ó mármores gelados, rosas frias, noites de gelo, como vos espero!
Quando serei silêncio e frio apenas?
Quando serei apenas o íntimo da terra?
Quando, enfim, dormirei na paz – na álgida paz?
Ó vento que matais as rosas, vento frio!
Quando me levareis mudado em poeira?
Quando me levareis pelas ruas
Quando me levareis em mim mesmo mudado
Para o grande mar, o grande mar, o grande mar...?
Não posso deixar de comparar o poema que Carlos Drummond de Andrade, o maior poeta brasileiro de todos os tempos, deixou como epitáfio, com o poema que o nosso Joanyr de Oliveira escreveu com a mesma finalidade.
Eis o epitáfio poético que Drummond escreveu para ele mesmo:
O POETA ESCOLHE O SEU TÚMULO
Onde foi Tróia,
Onde foi Helena,
onde a erva cresce,
onde te despi,
onde pastam coelhos
a roer o tempo,
e um rio molha
roupas largadas,
onde houve , não
há mais agora,
o ramo inclinado,
eu me sinto bem
e aí me sepulto
para sempre e um dia!
E eis o epitáfio poético que o poeta Joanyr de Oliveira escreveu para ele mesmo:
EPITÁFIO
Os casulos do silêncio
recolhem meu rosto,
meu canto e meu nome.
Entre arcanjos e estrelas,
minha essência navega
o esplendor dos milênios.
Doce é o sabor do infinito.
Quão diferentes são os cristãos diante diante da morte! Quão diferentes foram os sentimentos que levaram o salmista a escrever estas palavras: “O Senhor, tenho-o sempre à minha presença; estando ele à minha direita não serei abalado. Alegra-se, pois, o meu coração, e o meu espírito exulta; até o meu corpo repousará seguro. Pois não deixarás a minha alma na morte, nem permitirás que o teu Santo veja a corrupção. Tu me farás ver os caminhos da vida; na tua presença há plenitude de alegria, na tua destra delícias perpetuamente”, Salmo 16.8,11.
Os que sentem, pensam e se posicionam na vida como Manuel Bandeira, Augusto Frederico Schmidt e Carlos Drummond de Andrade, tiveram o seu destino descrito pelo salmista: “Como ovelhas são postos na sepultura; a morte é o seu pastor; eles descem diretamente para a cova, onde a sua formosura se consome; a sepultura é o lugar onde habitam”, Sl 49.14.
Porém, os que têm a fé que norteou a vida e conduziu para os mistérios da morte o poeta Joanyr de Oliveira, podem dizer, à semelhança do salmista: “Mas Deus remirá a minha alma do poder da morte, pois ele me tornará para si”, Salmo 49.15.
Jefferson Magno Costa
http://jeffersonmagnocosta.blogspot.com
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Esse é o caminho da paz por onde os pés dos que voam com segurança trilham até o momento de navegar entre as nuvens e chegar na Santa cidade ... Joanyr de Oliveira! Inesquecível grande poeta! ( Poetisa e Missionária Hairan).
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