quinta-feira, 21 de abril de 2011
A Calçada
A calçada me transporta, entre outras coisas, à infância. As fábulas de Esopo, contadas por meu pai, após o jantar, antes do anoitecer, entre um cumprimento e outro dos que iam e vinham. Amigas chegando, aumento do grupo sentado ao chão, em torno da cadeira de balanço.
Fábulas, a exemplo de “o menino, o velho e o burro”, repetiam-se. Quando solicitadas, meu pai dizia: “mas essa eu já contei”. E ouvia a réplica: “conta uma vez mais, conta de novo”.
Ele, pacientemente, as repetia, atendendo à platéia: Romélia, Rosélia, Gorete Costa, Enedina Menezes, Lucilan, filha de Isa de Pedro Preto, Jacinta, do Alto do Tenente... E assim, assimilávamos os ensinamentos do fabulista grego, nascido pelo ano de 620 a. C.
Ignora-se o lugar do nascimento de Esopo. Alguns dizem ter sido Samos ou Sardes, enquanto Aristófanes o supôs filho de Atenas. Segundo o historiador Heródoto, nascera na Frígia e trabalhava como escravo. Há ainda alguns detalhes atribuídos à sua biografia, cuja veracidade não se pode comprovar: corcunda e gago, protegido do rei Creso; condenado à morte depois de falsa acusação de sacrilégio; vítima dos habitantes de Delfos, irritados com suas zombarias, ou ainda, suspeito da intenção de ficar com o dinheiro que Creso lhes tinha destinado.
Discute-se a existência real das fábulas. Antes do advento da impressão, ilustradas em louça, manuscritos e até em tecidos. Levanta-se a possibilidade de serem ditadas pela sabedoria popular da antiga Grécia. Esopo não deixou nada escrito. As que lhe são atribuídas pela tradição foram recolhidas, pela primeira vez, por Demétrio de Falera, por volta de 325 a.C.
O que realmente sei sobre Esopo e suas fábulas: trouxeram-me muitas alegrias na infância. Meu pai propagou a imortalidade da obra: A raposa e as uvas; A galinha e os ovos de ouro; O boi e a rã; A mula; e tantas outras. O teor educativo, com certeza, possibilitou bons e produtivos diálogos. De forma lúdica e agradável, preparávamo-nos para uma mais uma noite de sono e de sonhos.
No dia em que tiramos a foto acima, meus tios, Alfredo, 96 anos, e João Gonçalves de Lemos, 83, contaram muitas histórias e estórias, fazendo-me sentir que havia uma quarta cadeira na calçada, a de meu pai, Manoel Gonçalves de Lemos, dez anos de saudades e uma lembrança gostosa de como é bom uma cadeira de balanço na calçada.
Maria Linda Lemos Bezerra
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