quinta-feira, 5 de maio de 2011
DO PRIMEIRO VELÓRIO A GENTE NUNCA ESQUECE
Estávamos, eu e Pedro conversando sobre nossos medos na infância e em nossos ‘aprontes’. Somos de uma geração, que teve infância, geração de crianças mais saudáveis que sonhavam com aventuras, brinquedos e que aprontavam um monte; aquela coisa de moleque.
Mas, nossa geração também tinha algumas coisas meio esquisitas. Muitas crianças - e não sei qual a razão -, eram carregadas para os velórios dos familiares, questão de educação, de nossa cultura, sei lá... E, começamos o almoço falando em vida e terminamos em morte! E o pior é que foi regado a uns quaraquaquás...
Bem, após eu ter aprontado muito quando criança, após ter apertado em centenas de campainhas dos apartamentos do meu bairro e sair correndo - depois de ouvir o mulherada berrar ‘Quem éeeeeeeeee?’-, chegou o dia do troco: me levaram no velório de um parente! Eu tinha 7 ou 8 anos.
Tá bom: lá fui eu ver o defunto... SANTA MADRE!! Levei 6 meses pra voltar a dormir... Fui chegando e dei de cara com os sapatos do tiozão; marrom, já meio chumbado. Tive a sensação que aquele sapato também morrera. Não teria mais condições de andar. Lembro que pensei naquele momento ‘putz, como deve ter caminhado esse mortinho!’ Hoje, detesto a cor marrom.
Pequenina, fui rodeando o caixão: duas velas enormes prestavam sua homenagem àquele falecido de mãos brancas, inchadas e cruzadas sobre o peito. E a viúva beijando com ternura o gélido rosto.
Notei muitos abraços e soluços ali por perto, enquanto nos distantes cantos - abertos sorrisos. Eu não estava na idade de entender o espírito da ‘coisa’; só achei tudo muito estranho: num canto morava a tristeza; no outro, sorrisos contidos; disfarçados. Mas sorrisos. Eu não sabia que se podia rir em velórios...
E continuei ali, junto ao caixão explorando um mundo desconhecido. Porém, quando levantei os olhos e dei com dois chumaços de algodão dentro das narinas, saí correndo. Que era aquilo, Santa Madre? Tentaram me acalmar... Mas me acalmar? Pô: vi um sujeito deitado, gelado, branco, de mãos cruzadas, de sapato surrado e com um pacote de algodão nas narinas e queriam que eu me acalmasse? Fiquei desatinada. E nem arrastada voltei ao tal do velório. Me levaram embora e me deram umas balinhas de goma.
Não sei como ainda vou a velórios! Mas tudo passou, e hoje já dá pra encarar um corpo sem vida, constatar o fim de tudo. Ou o começo...
Passo apenas alguns dias meio baleada. Sei que a intenção não é mais o morto, e sim levar solidariedade aos que ficam. O falecido já tá noutra.
Mas que estes mortos fazem um estrago na nossa cabeça, não tenho dúvida. Aceitar e lidar com a morte é muito difícil, não é pra qualquer cabeça; talvez seja coisa pra filósofo na tentativa de descobrir o porquê das coisas. Passam a vida inteira tentando descobrir e não acham muitas respostas...
Vejo hoje muitas crianças comparecerem a velórios. Se é difícil para adultos aceitar a finitude, por que chocar cabecinhas ainda em formação?
Continuo não vendo a lógica.
Tais Luso de Carvalho
http://taisluso.blogspot.com/
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