Dos homens, era o meu irmão mais velho, o que
vale dizer o meu velho amigo. Nascido aos 21 de novembro de 1912, em Várzea
Alegre (Ceará), quase metade de sua existência foi vivida em Londres (29 anos),
onde, de par com outras atividades, exerceu as funções de comentarista da
British Broadcasting Corporation (B.B.C), desde os incertos e inquietos dias da
segunda grande guerra mundial. Foi sua primeira professora a simpática D.
Adelaide – que ele sempre lembrou com carinho, - e, por muitos anos, residiu em
Juazeiro do Norte. Aos onze anos incompletos, entrou para o Instituto São Luiz,
em Fortaleza, cuja direção era exercida pelo nosso cunhado, grande amigo e
mecenas, o Dr. Francisco de Menezes Pimentel Junior.
Foi no São Luiz, no “Grêmio Literário Padre
Tabosa”, que se revelaram seus acentuados pendores para a imprensa e oratória.
Orador certo de todas as sessões, sua colaboração não faltava a cada numero de
“O Estímulo”, o jornalzinho do Grêmio. Fizemos, lado a lado, primário e
seriado, terminando este ultimo, em 1930, no Liceu do Ceará. A revolução de 30
deu-lhe, acidentalmente, o primeiro episódio “meio-cômico” de orador político.
À turba que passava pela, da janela do 1º andar do velho Café Poty (um
pardieiro de estudantes pobre!), dirigiu uma saudação inflamada, simplesmente
enrolado em um lençol! Magro e assim vestido, era a figura de Gandhi! A
Fernandes Távora, um dos chefes da revolução, muito impressionou o ardor do
“tribuno”, chegando a lhe oferecer posição de relevo na revolução triunfante.
Ele, porém, confessava, depois: - “que foi divertido, foi!” e nada queria com
quem “estava de cima”.
Tinha, então, 18 anos em ebulição,
inteligência e memória maravilhosas, devorando de um só fôlego quantos livros
lhe caíssem às mãos. Vargas Vila era a sua bíblia e, de cambulhada, entravam
quanto outros surgissem, de Virgilio a Schopenhauer. Publicou com um colega tão
“atirado” quanto ele, dois números de um jornal feito a mãos (“O PASQUIM”),
suspenso, logo no terceiro número, com a simpática interferência da policia...
Sem um jornal próprio, passou a colaborar em dois matutinos de tendências
antagônicas (“O NORDESTE” e “O CEARÁ”), mantendo com ele mesmo e nomes
diferentes, terrível polemica. Era, dizia, o melhor meio de se fazer jornalista:
- contestar as próprias palavras.
Cearense de legitima estirpe e filho de
português, não poderia deixar de emigrar e, em 1932, foi para o Rio, em busca
de horizontes mais vastos. Já matara, no nascedouro, a pretensão ser
farmacêutico, levando, todavia, uma transferência de seus de seus começados
estudos de direitos, que... De tortos, nunca foram concluídos. Seus caminhos
ideais eram os da hoje chamada comunicação e o jornal já lhe deixara visgo na
alma, a que não podia fugir. Com a ajuda de um amigo – o Dr. Campos – entrou para
“A BATALHA”. Foi, porém, no “O GLOBO”, onde o introduziu um modesto alfaiate
(Pedro Souza), a quem sempre soube ser grato, que se sentiu em casa. Contratado
para tirar as férias de um funcionário, por uma quinzena, lá ficou – quase, o
restante dos seus dias – terminando por se aposentar, em janeiro de 1971.
Em 1942, como redator de “O GLOBO”, em cujas
colunas mantinha seus comentários sobre o desenrolar da guerra, recebeu da
Embaixada Britânica um convite formulado pelo Press Club, de Londres, para uma
visita aos países aliados vendo-lhes o esforço. Após uma entrevista relâmpago,
na BBC, recebeu proposta para um contrato comentarista, o que sem pensar
segunda vez, aceitou. Voltou ao Brasil para acertar seus negócios, prometendo
regressar a Londres, na primeira oportunidade. E esta, muito cedo, lhe surgiu,
embarcando em um navio inglês altamente cobiçado pelos torpedos nazistas. Foi
uma viagem de 45 dias temerosos. Era, porém, já um motivo bem forte para uma
boa reportagem.
Assim, naqueles dias de incerteza, começou o
Brasil inteiro a tomar conhecimento real da marcha dos acontecimentos que se
desenrolavam. Ao lado de Bento Fabião, na hora exata, mesmo sob a ação de
incursões ou bombardeios, as clássicas badaladas do BIG BEN anunciavam o
“Comentário de Joaquim Ferreira”. Era um estilo bem seu de narrar os fatos, com
sobriedade e austeridade incontestes, despertando em nossos corações a
confiança na vitoria das armas aliadas, sem negar, no entanto, que ela custaria
“sangue, suor e lágrima”, na honesta expressão de Churchill. Por esta época
(Rio – 1943) enfeixou em livro (“Eles esperaram Hitler”) uma série de crônicas
em que retratou a fibra heróica da raça inglesa, no aceso da “Batalha de
Londres” e em outros episódios de invulgar bravura.
Terminada a refrega, outros tipos de
palestras surgiram. Foram “Livros e autores” – uma análise do que, na
Inglaterra, se fazia na literatura e nas artes; “Comentários da Grã-Bretanha” –
uma apreciação cuidadosa e carinhosamente feita da vida inglesa, desde os
feitos políticos às manifestações do humor britânico; e, por ultimo, “VOCÊ
SABIA?” – um programa de pergunta intrincadas e curiosas, em que, ao lado do
portentoso William Tate, formando uma dupla de enciclopédias, vencia qualquer
equipe adversa, ganhando-lhe nos pontos.
Em Londres, sempre como correspondente de “O
GLOBO”, teve a seu cargo a publicação de um boletim do Brazilian Trade Bureau
(“Brazil-Land and People”), sem exagero, um dos mais eficientes meios de
difusão do nosso país já feita, oficialmente. Por ultimo, dirigia a publicação
de uma revista de turismo, órgão de uma entidade especializada inglesa e a que
dedicava o seu melhor carinho.
Perdeu várias grandes oportunidades para não
perder a cidadania brasileira, de que muito se orgulhava. Por igual, nem o
clima, nem outro fator qualquer lhe roubou o sotaque nordestino, de autêntico
cearense. Ouvindo-o, qualquer um diria que ele nunca saíra de Várzea Alegre. De
par com a lealdade que punha em seus atos, era esta a mais clara expressão de
sua alta personalidade.
Em abril de 1948, uniu-se, em Londres, com a
Srta. Leda Pitanga Callado, irmã do romancista e escritor Antonio C. Callado.
Motivos de saúde obrigaram Leda e, desde que engravidou, a vir para o Brasil,
tendo seu filho – Guilherme Antonio – nascido na maternidade de Maranguape, em
18 de janeiro de 1949. É, hoje, economista e reside no Rio, em companhia de sua
dedicada genitora. Em tudo, o retrato fiel do pai!
Esteve em férias, no Brasil, de dezembro de
1970 até abril de 1971. Ao voltar à Inglaterra, pouco tempo depois teve que ser
internado – e gravemente – em um hospital londrino. Malgrado a dedicação e
competência dos seus médicos, num crescendo incontido, sua enfermidade evoluía
e se tornava mais grave. Manifestou o desejo de voltar ao amado Brasil, ao
convívio de seus familiares, dos seus velhos amigos, fui buscá-lo em Londres,
numa viagem onde grande era a responsabilidade e maiores os riscos a enfrentar.
Trouxe-o, felizmente, sem o menor incidente. Cercado da família e do seu mais
vivo carinho e alimentando sonhos para um futuro que jamais viria, ainda
resistiu por 34 dias, vindo a falecer, dia 4 de outubro de 1971, em nossa casa,
em Olinda. Era a data consagrada a S. Francisco de Assis, aquele que compôs a
“oração do amor”, que vence sete séculos e, assim, termina: - “morrendo, é que
nascemos para a vida eterna”.
José Ferreira
*Do
seu Livro “Várzea Alegre, Minha Terra e Minha Gente” Pag. 67 a 70 Ed.
Henriqueta Galeno 1985