sexta-feira, 6 de agosto de 2010

JOEL E O BOI MANDINGUEIRO


Eu já contei a história
De Joel no seminário
E vou usar a memória
Dentro do mesmo cenário
Falar do mesmo vaqueiro
E de um boi mandingueiro,
Também um mito lendário...

As pedras não possuem pernas,
Mas são lisas de rolar,
Mesmo no centro da terra
Elas podem se encontrar,
Uma a outra reconhece
Quando uma sobe outra desce
Pra poder se lapidar...

Fui menino no Sertão
E vi um reencontro assim,
Foi do vaqueiro Joel
Com um bravo boi surubim
Que o chamavam mandingueiro
E desafiou os vaqueiros
Do princípio ao fim...

Num dia de sexta-feira
Desci pra catar feijão
Na roça de Daciano,
Que de Joel era irmão,
E no caminho do roçado
Vi um caso inusitado
Que me chamou a atenção:
1

Bezerro recém nascido,
Fugindo de um carcará
Veio em minha direção,
Pulei para me livrar,
Desceram de serra abaixo,
Caíram em um riacho,
Vi poeira levantar.

Numa cachoeira grande
O bezerro se jogou
Uma altura de dez metros
Meu coração palpitou:
- Bezerro forte e danado,
Deve está todo quebrado,
Morreu e não se entregou...

Desci correndo ligeiro,
Fui avisar a Joel,
Ele selou o cavalo,
Depois botou o chapéu,
Pôs no bolso do gibão
Ataduras, injeção,
Limão, azeite e mel.

Embaixo na cachoeira
Estava o bezerro malhado,
Quando avistou a gente
Pôs-se de pé o danado,
Logo caiu novamente
Joel muito sorridente,
Disse – Já está curado.
2

O bicho quebrou a perna,
Desmantelou uma mão,
Mas ele se recupera,
Vou dar a medicação,
Vamos levá-lo ao curral,
Banhar com água de sal.
Vai ser mais um barbatão.

Botou-o na lua da sela
E partiu a aboiar.
Não deu pra ir ao trabalho
Era hora de estudar
Selei o jegue miúdo
E parti para o estudo
Naquele dia a pensar.

Quantos carcarás existem
Em grandes perseguições?...
Quantos servos estão presos
Nas garras dos seus patrões?...
O bezerro surubim
Ensinou a Valentim
As mais sublimes lições...

Menos de quarenta dias
Deu pra se recuperar
Outras vezes o avistei
Pelos campos a pastar
Sempre assustado e ligeiro,
Roliço, gordo e inteiro,
Parava pra me olhar...
3

Levado a outra fazenda
Desapareceu do mapa,
Foi criado sem cabresto,
Como piolho da mata,
Nunca viu corda no lombo
Jamais levou algum tombo,
Fora aquele da cascata.

Com a carreira que deu
Com medo do carcará
Um ruído, um estalo,
Bastava pra se assustar
Rápido de causar espanto
Estava em todos os cantos,
Quase aprendeu a voar...

Seu Zé, o pai de Joel,
Fazendeiro no Sertão,
O filho, o mais afamado
Vaqueiro da região
Nunca iam às vaquejadas
Pra sair sem ganhar nada
Nas festas de apartação.

Amigos solicitavam
Sempre o gado de seu Zé
Ele sempre os atendia,
Dizendo: - Vamo Joé
Vá na fazenda Caio Prado
E me traga aquele gado
Você já sabe qual é.
4

E o tal boi surubim
Era difícil ser visto
Quando Joel aboiava
E o chamava pro serviço,
Ele logo aparecia,
Escavacava, mugia
O misterioso bicho.

De todas as vaquejadas
Esse boi participou
As pessoas perguntavam
Qual vaqueiro lhe pegou
E a resposta era igual
Naquele forte animal
Ainda ninguém tocou...

Espalhou-se no Sertão
O boato dos vaqueiros:
-No rebanho de seu Zé
Tem um novilho ligeiro,
Corre sem pisar no chão,
Ninguém lhe botou a mão
Deve ser boi mandingueiro.

Convidaram uns vaqueiros
Das bandas de João Pessoa,
Veio Vicente Pezim,
Também Chico da Lagoa,
Professor Chico Luís,
Silvio Quaresma, Diniz,
Seu Cristóvão, Zé Canoa.
5

Era numa vaquejada
Na fazenda Ipepaconha,
O surubim foi perfeito
Sem nada mais que o ponha
E os vaqueiros convidados
Voltaram desapontados,
Cabisbaixos, com vergonha.

Arrebataram esse boi
Dez vezes para correr
E ele seguidamente
A todos pode vencer...
Joel foi anunciado,
O boi pulou o alambrado,
Pôde desaparecer.

A vaquejada sem graça
Seguiu até o final,
A foto do mandingueiro
Saiu até no jornal
E outra luta foi marcada
Para a próxima vaquejada
Na fazenda Juremal.

Ai já tinha vaqueiro
Do circuito nacional:
Estavam Chiquim Lisboa,
Peixe Moura, Sandoval,
Chico e João Rolim
Marco Belo, Ciganim,
Zé Vaqueiro e Lourival.
6

Dez emissoras de rádio,
Cinco de televisão,
Vaqueiro de toda parte,
Do litoral, do Sertão.
O povo emocionado
Quando foi anunciado
Joel e o tal barbatão...

Já estavam no mourão
Seu Joel e Bonifácio,
O bicho saiu normal
Pra derrubá-lo foi fácil.
O bate-esteira entregou,
Na faixa Joel o botou,
O império foi abaixo...

Bonifácio já chorava,
Joel se emocionou.
Subiu da parte do povo
Barulho ensurdecedor,
E o grito de campeão
Saiu na televisão
Na fala do locutor...

No meu jumento miúdo
Vi quando o boi levantou,
Só eu sabia de tudo
Daquilo que se passou,
Como reconhecimento
Parou perto do jumento
E um longo tempo me olhou.
7

Joel desceu do cavalo
E falou para seus pais
- Continuarei na luta
Nos campos e nos currais,
Em festa de vaquejada
Minha parcela foi dada
Não vou correr nunca mais.

O mistério desse boi
É fácil de explicar:
Todo vaqueiro pra ele
Era aquele carcará,
Só conheceu um vaqueiro,
O filho do fazendeiro,
Que lutou pra lhe curar.

A poesia popular
É a alma do Sertão,
A arte de expressar
As coisas do coração.
Tudo que o poeta cria
Vem da força da poesia
Saída do coração...

Fim

Valentim M. Quaresma Neto

enviado por Magnólia Fiúza de Menezes

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