Muito ritmo e trocadalhos do carilho
Um gênero do forró que era bastante popular era o chamado forró safado, até porque safadeza sempre foi e será algo do gosto popular. Os tais forrós safados tinham refrões repetitivos com algo “malicioso” ou “safado”, ou insinuavam uma rima mais picante, mas que nunca era completada. Tudo isso fazia a alegria da garotada que gostava de entoar as cantigas só para falar putaria sem (muita) culpa. Dizemos, sem medo do trocadilho, que artistas que costumavam cantar estas músicas sempre tinham algo gozado na boca.
Obviamente que este estilo de música não se restringe ao forró, havendo bons exemplos em outros ritmos como o samba, o rock, as marchinhas de carnaval, o funk carioca e o brega. Mas o forró safado, ou de duplo sentido, é praticamente um subgênero do forró, já que houve época que muitos artistas e bandas labutavam (ou lá botavam) em cima disso, que teve sua fase áurea entre os anos 70 e 80.Ao final dos anos 80, o forró como um todo já estava meio em declínio, juntamente com o forró safado. Mas o gênero sofreu uma renovada nos anos 90, com as bandas de forró moderno, que alguns tentaram rotular de Oxente Music, termo que graças a Deus, não pegou, e as bandas do chamado forró universitário. Para não dizer que o gênero está morto, vez por outra alguma banda de forró da nova geração tasca uma letra sacana. Eventualmente se usa ainda algum trocadilho de duplo sentido, mas hoje em dia a sacanagem é mais escrachada, sem maiores malabarismos lingüísticos para ocultar o “duplo sentido”. Em alguns casos, a putaria é explícita, mesmo, sem nada de duplo sentido.
Num exercício de regressão e forçação dos neurônios, relembro algumas pérolas do gênero.
Genival Lacerda e Zenilton
Vale lembrar que nos anos setenta estávamos ainda sob ditadura militar e com uma forte censura. Para burlá-la, os compositores precisavam de um pouco de sutileza para disfarçar suas letras. Se Chico Buarque e companhia usavam de linguagens rebuscadas ou alegorias, os forrozeiros abusavam de trocadilhos e frases de duplo sentido nos refrões, para o desespero dos censores. Muitas bandas incluíam forró safados em seus repertórios, mas dois se destacaram com seus sucessos: Zenilton e Genival Lacerda.
Zenilton é sanfoneiro pernambucano cujos LP´s faziam bastantes sucesso no Nordeste. No início da carreira, a banda de rock Raimundos chegou a gravar algumas de suas músicas, pois o vocalista Rodolfo era fã declarado das letras sacanas dos forrós. Seus LP´s chegaram ao fim dos anos 80 ainda bem tocados. Entre tantas músicas, escolhi alguns momentos da carreira de Zenilton. Sintam o estilo e a sutileza.
Que coisa boa / É coçar bicho de pé / Por isso vivo coçando / O bicho da minha mulher
Com milho cru / Com milho cru / Bote caldo, canela, manteiga e banha / E uma gostosa pamonha / Só se faz com milho cru
A minha prima arranjou um namorado / O nome dele ela diz que é um pão / O chama de pão doce, o chama de pão fofo / Eu chamo é de pão xoxo… uh… É xoxo pão
Tem gente que educa o branco/Tem gente que educa o preto/Aqui educa qualquer um/Aqui não tem preconceito
Eu sou budista /Eu adoro Buda /To precisando de Buda /Mas o Buda não me ajuda
O paraibano Genival Lacerda ficou bem conhecido do público lá pelo meio dos anos 70 com Severina Chique-Chique, aquela que montou uma butique para a vida melhorar. O repetitivo refrão era um aviso para ela se prevenir contra namorados interesseiros:
Ele tá de olho é na butique dela/Ele tá de olho é na butique dela
Ao longo dos anos oitenta, ele investiu em letras humorísticas, como Rambo do Sertão”" ou “Galeguinho dos Olhos Azuis”, mas não necessariamente tinham letras de duplo sentido. Mas outro sucesso seu do início dos anos oitenta é um clássico do forró safado: Radinho de Pilha. Na música, o pobre fica indignado porque “ela” teria feito a desfeita de dar o presente que ele dera a ela.
Ela deu o rádio/ E não me disse nada/ Ela deu o rádio/ Ela deu sim/ E não me disse nada/ Mas ela deu de graça/ O rádio que eu comprei /E lhe presenteei
Mesmo longe da chamada grande mídia e das grandes gravadoras, ambos ainda aparecem em eventuais apresentações, mostrando que, mesmo com uma avançada quilometragem, o negócio (da música) ainda está em pé.
João Gonçalves, o rei do duplo sentido
Muitas dessas músicas cantadas por Genival Lacerda são de autoria de um veterano paraibano chamado João Gonçalves. E não podemos falar de forró safado sem citar seu nome. Além de “Severina Xique-Xique”, ele compôs outros sucessos de Genival, como “A Filha de Mané Bento” e “”Mata o Véio. Seu primeiro sucesso foi a “clássica” “Pescaria em Boqueirão”, cujo refrão dizia “Ô lapa de minhoca/ Eita que minhocão/ Com uma minhoca dessas/ Se pega até tubarão”, em idos de 1973. Em plena vigência da censura, João Gonçalves costumava bater ponto na Polícia Federal pra prestar esclarecimentos de toda aquela “pouca vergonha”, e praticamente foi proibido de tocar algumas músicas na Paraíba. Na época gravou doze LP´s e teve suas músicas gravadas por outros forrozeiros como o Trio Nordestino. Em anos mais recentes uma composição sua foi gravada por Tom Oliveira e Aviões do Forró, “Locadora de Mulher”, que não tem duplo sentido, mas não deixa de ser sacana, já que declarava: “Eu Descobri uma Locadora de Mulher/ Lá tem mulher do tipo que o homem quiser”. Além dos LP’s e mais 4 CD’s gravados, em 2008 lançou o DVD “João Gonçalves”: Ontem e Hoje”, onde diversos intérpretes, como Amazan, Ton Oliveira e Genival Lacerda, dividiram o palco com o velho rei do duplo sentido.
Sandro Becker e Clemilda
O gênero teve algum reconhecimento nacional novamente nas vozes de Clemilda e Sandro Becker nos anos 80. Sandro Becker será lembrado pelas gerações posteriores por estourar com o sucesso “Julieta”, que alternava o verso “Julieta-ta tá me chamando” com estrofes de rimas escrotas que, obviamente, o cantor não rimava. E Clemilda é a respeitável senhora que cantava “Seu delegado prenda o Tadeu/Ele pegou minha irmã e…CRAU!”. Ambos eram presença constante nas tardes de sábado em programas de auditório como “Clube do Bolinha” ou “Cassino do Chacrinha”.
O estilo de Sandro Becker é de estabelecer uma rima das mais escrotas, mas acaba enfiando uma palavra que não rima. A clássica Julieta é um exemplo. Sintam só alguns dos versos:
Maria Preta escreveu na tabuleta/Quem tiver dinheiro come/Quem não tem toca pandeiro
Meu avião não cai/O meu barco não afunda/Menina eu quero ver/O balançar de sua saia
Quando eu morrer/Me enterre em uma cova funda/Senão vem um urubu/Pra comer a minha perna
Eu vinha no caminho /Encontrei um urubu /Pisei no rabo dele /Ele mandou tomar cuidado
Atrás daquele morro /Moram dois caras batuta /Um é filho do Zé /E o outro não é
Eu conheço uma menina /Que se chama Marieta /Ela tem o dedo fino /De tanto tocar piano
O véio e a véia /Foram tomar banho na bica /A véia escorregou /E o véio passou-lhe a perna
E falando em bica, outro clássico seu é Forró na Bica. Bica é o nome de um parque e zoológico de João Pessoa, chamado Arruda Câmara. É popularmente conhecido como “bica” devido a uma fonte dentro do parque que tem centenas de anos. Mas esqueçam o momento guia turístico, pois Sandro aproveitou o nome para cometer mais um infame trocadilho:
Fizeram um forró/ Na Bica em João Pessoa/Botaram um aviso/Só entra mulher boa/O Porteiro é durão/Quem insiste se trubica /Porque no forró da Bica/Só entra mulher bonita/As mulheres bonitas vão entrar na Bica/Vão entrar na Bica/Vão entrar na Bica
Outra música era cantada por um tal de Manhoso, mas que Sandro Becker acabou incorporando-a a seu repertório. É a história de um gato chamado Tico:
Tico-tico é um gato que a Maria quer bem / Não dá, não vende nem troca e não empresta pra ninguém / O Tico tem um defeito que nem dá pra consertar / O defeito do Tico: é danado pra miar / Tico mia na sala / Tico mia no chão / Tico mia na cozinha, encostado no fogão /Tico mia no tapete, Tico mia no sofá / Tico mia na casa toda hora sem parar.
Já a colega de sucesso de Sandro Becker, Clemilda, era fã de trocadilhos e de frases com duplo sentido. “Além de Prenda o Tadeu”, outras pérolas da senhora faziam a festa das rádios AM, como “Forró Cheiroso”, cujo refrão recomendava:
Talco do salão/Talco no salão/Pro forró ficar cheiroso/E ter mais animação
E como boa dona de casa, Clemilda tinha sua predileção por alimentos, algo explícito em outras duas músicas suas, “Bilhete pra Comadre Dinha” e “Recado pra Zetinha”:
Comadre Dinha, mando lhe avisar /Que este ano vou passar por lá /Capriche muito nabo na salada /A quiabada deixe pra Dona Dada /Você já sabe que eu adoro nabo /Dinha, nabo, Dinha, nabo, Dinha /Na hora do jantar, eu como nabo, Dinha /Nabo, Dinha, nabo, Dinha
Zetinha, esa saudade me mata /Zetinha, essa saudade me acaba /Zetinha, quando eu chegar do norte, quero eu abraço forte /Juriti e nambu assado /Só quero nambu, Zetinha /Só quero nambu, Zetinha /Só quero nambu, Zetinha
Palhaço Caçarola
Esta figura começou nos anos noventa fazendo paródias de sucessos. Depois emplacou composições próprias. Ele está aqui por ter feito um dos melhores e mais criativos trocadilhos em um forró safado em uma letra que descrevia sua decepção com o sabor de algumas frutas:
Eu nunca vi umbu ser tão azedo /umbu ser tão azedo /umbu ser tão azedo
Outros Infames
Nesta época áurea e quase jurássica onde rádios Am e LP´s de vinil ainda faziam uma heróica resistência ao CD e as rádios FM, haviam outros refrões e outras bandas que sacaneavam nossos ouvidos. Infelizmente minha memória não é uma Brastemp. Não lembro dos títulos e nem quem cantava algumas dessas pérolas. Mas é claro que os refrões resistiram em minhas sinapses. E por isso lembro alguns dos sucessos safados das rádios AM
Toco cru pegando fogo
Seu vigário eu não comunguei /Eu não comunguei /Eu não comunguei
Tumim dá
Não posso comer ovo /porque estou com íngua /então suspende os ovos, garçonete /E passa a língua.
Morena diga onde é que tu tava/ Onde é que tu tava/ Onde é que tava tu/ Passei a noite procurando tu/ Procurando tu / Procurando tu
Seu Cuca é eu /Seu Cuca é eu
Sol, capim, canela/ Sol, capim, canela/ Sol, capim, canela/ Pra ver se engorda /Essa égua magrela
Dá álcool pra ele/Dá álcool pra ele cheirar/Esfrega na venta dele/Para o rapaz melhorar
Ma nem ó de nostalgia vive o forró safado. Vez por outra alguma destas bandas de forró mais modernas regravam algum “clássico”, como a Gaviões do Forró, que regravou “Dá Álcool Pra ele”. Falcão, o brega-fake, gravou um forró sobre um infeliz que era parado numa Blitz “todo errado”, e ao pedir pros PM’s aliviarem, a resposta que teve foi o singelo refrão:
“Multa/Esse felá da puta/Multa/Esse felá da puta/Que é pra moralizar”
Outras, como a banda Saia Rodada, lançam composições com temáticas maliciosas e humorísticas.
Todo homem gosta da mulher que se disputa/ Todo homem gosta da mulher que se disputa
Obviamente em tempos de censura livre, não dá para exigir muita sutilleza, talvez no máximo um “Na tua boca viro fruta, chupa que é de uva”. E uma das melhores performances do Saia Rodada é colocar uma gostosa vestida de coelhinha no palco para cantarolar os versos.
É o meu vizinho que quer comer meu cu…elhinho/Esse vizinho que quer comer meu cu..elhinho/ Esse vizinho que quer comer meu cu…elhinho
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