quinta-feira, 17 de junho de 2010

ESTOU APAIXONADO POR UM DESCONHECIDO


Você começou a falar com ele(a) no site há pouco tempo, faz no máximo duas semanas ou um mês. Nunca se viram, apenas trocaram fotos. Apesar do pouco tempo e de ainda não terem se conhecido pessoalmente, você se sente completamente apaixonada(o) por ele(a). Como pode? Aliás, pode? É normal? Isso existe?

Esse tem sido o tema de uma grande quantidade de mensagens que vimos recebendo nos últimos tempos. Explico porque falo inicialmente com as mulheres e boto os homens “entre parêntesis”: essa é uma questão que geralmente parte das mulheres. São elas quem mais se preocupam com essa “paixão arrebatadora” que, embora sintam, as faz desconfiarem de si próprias. É claro que os homens também podem passar por isso e ter sentimento e dúvida análogos. Por isso os incluí ainda que ainda não tenha visto essa questão em mensagens deles.

Outras questões muito trazidas pelas mulheres: “ele disse que está apaixonado, será verdade? Ainda nem nos conhecemos!” e “como saber se ele fala a verdade?” são perguntas feitas com bastante frequência. Novamente a desconfiança, agora em relação ao sentimento deles. Em ambos os casos, a dúvida é quanto à possibilidade/normalidade/veracidade da paixão ou atração por alguém que não conhecem pessoalmente. E então, será possível/normal/verdade?

Para começar a responder a essa questão, cito dois trechos de uma música muito conhecida do Jorge Aragão: “sem lhe conhecer, senti uma vontade de louca de querer você / nem sempre se entende as loucuras de uma paixão / tem jeito não”. E, mais adiante na canção: “não faz assim / me diz teu nome / não me negue a vontade de sonhar / de sonhar os meus sonhos com você”. Bem, para o que precisamos aqui, é o suficiente, mas a música inteira é muito bonita!

Não sei exatamente quando a música foi escrita ou lançada, mas certamente foi antes da popularização da Internet, e provavelmente ela não se referia à paixão que acontece em sites de relacionamento. Apesar disso, fala precisamente do sentimento que nossos “apaixonados-desconfiados” vêm descrevendo ultimamente. Vemos inclusive que, na segunda parte que citei, o autor mostra que sequer sabe o nome de sua paixão.

Primeira observação importante: sentir paixão por alguém que pouco conhecemos é algo mais antigo que a Internet, os sites de relacionamento e o ParPerfeito. Será que há ou havia desconfiança em relação ao sentimento nos casos “offline”? Ou será que ela vem de um preconceito muito comum que se refere aos relacionamentos que se iniciam online? Será que estar apaixonado por um quase desconhecido é visto como “normal”, “aceitável” e “possível” quando se trata do mundo “offline”, mas tudo é visto com desconfiança quando acontece no ParPerfeito? Fica a pergunta no ar.

Para continuar esclarecendo o assunto, é imprescindível definir paixão e amor e diferenciá-los. A paixão é um sentimento intenso, que distorce a percepção objetiva e transforma a maneira como vemos o outro. É por isso que, quando estamos apaixonados, o outro é “tudo”, é “perfeito” (ainda que saibamos racionalmente que pessoas não são perfeitas). A paixão é constituída em grande parte por idealizações: atribuímos à pessoa aquelas características que admiramos e que consideramos ideais. Ou seja, não estamos nos relacionando com o outro “real”, mas com alguém idealizado. Não que ignoremos completamente o outro como ele é verdadeiramente, mas há uma boa parcela de idealizações que não nos deixam ver com nitidez a pessoa real.

Antes de definir o que é amor, pensemos: é possível sentir paixão por alguém que pouco conhecemos? É claro que sim! Como há tantas idealizações, o que imaginamos conta muito mais do que a pessoa real, concreta. É “normal” que isso aconteça quando conhecemos o outro no ParPerfeito? Novamente, é claro que sim. Se o conhecemos apenas por fotos, por chat ou por telefone, as possibilidades que temos de idealizá-lo, e, portanto, de nos apaixonarmos, são muitas!

Voltemos ao amor. Muitas vezes a paixão se transforma em amor. Esse decorre de uma relação mais real com o outro. Aos poucos, conforme nos relacionamos com alguém, percebemos que esse outro tem o que chamamos de “imperfeições”: não combinamos em tudo, pensamos diferente sobre algumas coisas e “batemos de frente” em relação a outras. Enfim, percebemos que o outro não é aquela perfeição toda, até porque ele é um ser humano como nós. Aos poucos aprendemos a tolerar as diferenças, lidar com as discordâncias e até mesmo com as brigas. Essa tolerância e o respeito pelas diferenças pertencem ao amor. Esse é um sentimento menos arrebatador, que não chega a nos tirar o fôlego. É mais estável e aponta para um amadurecimento da relação.

Dito isso, pergunto: é possível amar alguém que pouco conhecemos? Costumo evitar afirmações categóricas, pois estas geralmente nos induzem a erros, mas eu diria que é, no mínimo, improvável. Por conhecermos pouco, ainda não nos deparamos com as imperfeições, diferenças, divergências... Ainda não brigamos, ainda não pusemos o relacionamento à prova. Então não é amor, é paixão!

Então se ele disse que me ama sem me conhecer, ele é um mentiroso? Não, de jeito nenhum! Expliquei didaticamente a diferença entre paixão e amor, mas na prática as coisas não são tão nítidas assim, e ambos podem se confundir. Isso é inclusive muito comum. Em muitos casos, quando alguém diz “eu te amo”, na realidade está dizendo “estou completamente apaixonado(a) por você”. Isso sim é plenamente possível e provável!

Para finalizar, o que fica disso tudo o que foi dito? Volto a citar a música do Jorge Aragão: “nem sempre se entende as loucuras de uma paixão”. Essa frase parece refletir bem a confusão que vivenciam aqueles que nos escrevem com questões do tipo que mencionei. Estão confusos, não conseguem se entender ou entender o outro, e frequentemente acham a paixão por um desconhecido uma verdadeira loucura. Para essas pessoas, eu diria simplesmente que a grande loucura é não se deixar apaixonar.

DÉBORA CRISTINA

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