domingo, 31 de outubro de 2010
CARÊNCIA
Hoje eu estive o dia todo com uma certa carência, tipo sem achar lugar certo, tentava fazer alguma tarefa de casa, não me concentrava, Saia pra rua e ficava olhando
as árvores que plante como já estão crescidas e algumas dando frutos, aquilo foi me mostrando como a vida passa rápido, lembrei que faz tempo não deito no chão e fico olhando as nuvens e o que elas formam. Senti uma aperto no peito, uma vontade de sair correndo de costas, como se assim eu fizesse o tempo voltar...Ha! pensei nas coisas boas que me aconteceram, o casamento com o Eldenê, que foi um homem diferente dos demais, mas me amou de verdade, a maneira dele, mas foi amor. Lembrei das tantas viagens que fizemos, das aventuras, em quantos lugares moramos tentando sempre uma padrão de vida melhor, de como me tratava como uma rainha, uma menina mimada, até o nascimento da Itassira, pois aí tive que dividir toda atenção e afeto com ela e tive eu própria dar-lhe atenção e afeto, fiquei em segundo plano. Por cinco anos trabalhei esta mudança de comportamento nosso, ele saí em busca de jovens com as qualidades que eu perdi ao dedicar-me tanto a casa, a filha e ao trabalho do escritório contábil que tínhamos. Eu era uma extranha olhando pra mim diante do espelho. Com 2 anos passados procurava aquela Íris sempre bonita e com um sorriso nos lábios.
Como se não bastasse veio a segunda gravidez, com 3 meses perco o feto em um aborto natural. Nada muda, continuo com aquele vazio, faltando algo, que me desse ânimo, vontade de cantar, de rir, de tomar banho na chuva. Encontrei! Fiquei linda novamente, alegre, andava cantando a música sonho do Peninha era minha predileta, as do Roberto Carlos eram minha paixão, paixão era o meu novo ânimo, mas pulemos esta parte. Voltei a estudar, parecia um adolescente de tão feliz, tudo era magia. Tudo lindo e maravilhoso até que começaram os enjôos...Estava grávida, terminei o ano letivo já com a barriga aparecendo, fui a colação de grau só. Foi o começo de uma grande agonia, uma faze de indecisões, renuncias, apelação, trocas, promessas e finalmente no meio de tanta turbulência nasce meu filho, tive-o sozinha em casa sem tempo para ir ao hospital, veio uma vizinha e cortou o cordão umbilical e acertou o resto das coisas, 23/08/79. Eu entreguei-me totalmente a esta criança, coloquei nela todo meu carinho, afeto, amor, esperança, mas não voltei a sorrir com a mesma naturalidade de antes, tive um filho lindo, branquinho, olhos azuis, loiro. Eu tinha orgulho por ser mãe dele, mas tive que fazer uma renuncia: Deixar de cantar Peninha, Roberto Carlos e secar as lágrimas, não lamentar, simplesmente enterrar meus sonhos, meus projetos, meus desejos e meu amor, isto em troca de poder ficar com a família: O marido o filho e principalmente a filha. era uma troca injusta, como poderia ficar com a metade da felicidade? Como se pode trocar uma filha pela felicidade? Como eu voltaria a cantar, sorrir, amar, tomar banho de chuva e ser feliz? Resolvido e acertado. Fevereiro de 1980 voltamos para o Ceará, deixei lá no Maranhão Tudo enterrado junto com o umbigo do meu filho, pois fiz exatamente uma cerimônia coloquei seu umbigo que caíra, em um saco de papel e falei: jogo aqui dentro todos as coisas boas e fantasiosas que aqui passei, retiro do coração toda e qualquer
esperança de viver novamente o que aqui vivi. Fechei o saco e o enterrei embaixo do pé da jaca.
Em Crato não consegui me ajustar, até tentei, juro que tentei, voltei estudar, não deu certo, passei meses infernais vivendo como se não fosse meu espírito em meu corpo. Muitas mudanças, fazes ruins, sem esperança, sem sorrisos. Fiz das lembranças e da angustia um revoltante uso do meu corpo, fiz tudo errado, queria machucar alguém, mas quem se machucava era eu...1982 fomos para Petrolina-Pe. 2 anos de mais puro inferno, parecia que tudo estava perdido. Em Crato minha familia resolve ir pra Ribeirão Preto se juntar aos outros irmãos que moravam lá. Resisti, lutei o mais que pude, mas em 1984, junho me dei por vencida e vim pra Ribeirão Preto. O mês mais frio que fizera naquele ano. Tempo maldito, vontade de morrer, ódio no coração amargura duplicada. Revolta e silencio, cumpria minha parte do trato sem pestanejar, jamais falei dos acontecimentos passados.
Demorei a participar e fazer amizades com os paulistas, eu os via como racistas e preconceituosos, riam toda vês que eu falava qualquer palavra, sentia-me uma pessoa diferente e isto me incomodava. O meu marido adaptou-se rápido aos modos dos paulista, as crianças em sua inocência só sabia que tinham vindo morar em outro lugar muito longe do lugar de origem, mas logo estavam falando com o mesmo sotaque paulista. passando os primeiros anos de aperreio e reajuste, adaptei-me mais ou menos ao lugar. Por dentro a ferida foi cicatrizando, doía cada vês menos e foi ficando em um lugar reservado, afinal eu não tinha mais tempo para essas tolices de recordações.1985, 1986 , foram anos de insegurança, incertezas, mas em 1990 já nos sentíamos mais estabilizados, porem nosso relacionamento amoroso nunca mais foi o mesmo, viramos um casal de amigos e muito amigos mesmo, onde contávamos tudo um ao outro. Fizemos um acordo: Quando as crianças estivessem preparadas nos separaríamos e cada um ia viver sua vida. Assim fizemos.
30/10/2010 é hoje, foi agora que andei de costas, mas agora ando pra frente, pego o carro, busco minha neta de 10 anos e a trago pra passar o dia comigo. Banhamos as cadelas, lavamos os tapetes, começa uma chuva grossa, saímos pra rua e tomamos aquele banho de chuva, comemos acerolas do pé que eu plantei alguns anos atrás, entramos , damos uma boa limpada na piscina e colocamos pra terminar de encher. Tomamos um belo e quente banho, tomamos um chocolate quente. Ela vai pra sua cama com o not book e eu venho pro meu pc. Volta à realidade, fico sim as vezes triste e lembro da escolha que fiz e vejo que vivendo como vivo agora e como sou feliz, foi o certo que escolhi. Tenho uma familia amorosa e normal e finalmente a ferida do passado cicatrizou, quase nem aparece, só quando as vezes fixo meu olhar no do meu filho e vejo aqueles olhos que me fazem lembrar Peninha e Roberto Carlos.
Iris Pereira
do blog irisreflete.com
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