domingo, 24 de abril de 2011
Chega de Páscoa Sofrida
Estimados leitores, essa coluna inicia aqui o movimento internacional e global pelo fim da Páscoa. O que não significa o final do feriado, de maneira alguma. Todo mundo vai poder continuar ficando preso em engarrafamento livremente, não se preocupem.
Mas, o que eu acho que seria uma excelente ideia é apenas remover do nosso calendário emocional uma data baseada no pior do catolicismo: a ideia de compartilhar do sofrimento de algo ou alguém que estava lá de propósito e para isso mesmo.
Páscoa, estimados leitores, está centrada na tal paixão de Cristo. Mas paixão aqui no sentido latino, de passio, ou sofrimento. Na paixão de Cristo, o coitado é sovado sem dó por romanos e por quem mais estiver assistindo, e a gente é convidado a compartilhar da pancadaria na condição de quem a sofre. No grande final, o sujeito que veio até aqui para salvar todo mundo dos seus pecados é solenemente crucificado. Essa não é a minha ideia de divertimento, estimados leitores.
Apenas como comparação linguística, compaixão é compartilhar do sofrimento do outro. Na forma germânica, compaixão é Mitgefühl, ou algo assim, significando co-sentir, ou compartilhar dos sentimentos do outro. Eu gostaria muito, muito mais se a gente passasse a comemorar um feriado onde se praticasse o Mitgefühl, e a gente se dedicasse a sentir o outro, e, eventualmente, compreendê-lo, do que passar dias pensando no coitadinho do outro e o quanto ele se sacrificou por nós, sem que a gente pedisse.
Culpa, dor, sofrimento. Essa é a parte do catolicismo que mais me incomoda, o culto ao que existe de pior na vida, a celebração da morte, o que invariavelmente leva a sentimentos de vingança. Meu pobre pai sofre até hoje pelo que ele e os meninos da sua vizinhança faziam no sábado de malhar Judas, instigados pelo padre, quem mais.
Saibam que os romanos crucificavam todo mundo e por qualquer motivo. O cara espirrou torto, pimba, crucifiquem. Madeira e mão de obra custavam pouco, a civilização romana, com toda sua sofisticação, era muito cruel na essência. Não havia nada de especial em crucificar alguém, apenas o horror da coisa, que os contemporâneos viam e temiam. A cruz somente foi adotada pelo cristianismo uns quatro séculos depois de pararem com a prática da crucificação, quando a memória do seu horror já estava distante o suficiente para a cruz poder ser tratada como símbolo, um símbolo muito, muito eficaz. Para que celebrarmos hoje em dia o que existe de pior em uma religião tão preocupada com o sofrimento nesse mundo? Vamos para o outro lado, vamos curtir o feriado imersos em pensamentos mais felizes.
O coelhinho da Páscoa é o meu candidato a se tornar o símbolo da Nova Páscoa. Chocolate é muito melhor enquanto proposta de vida. Estimulante, prazeroso pra caramba, mais saudável do que dizem. E o coelhinho, por diversos motivos, é símbolo do que existe de divertido na vida, não é?
Não que coelhos ovíparos sejam exatamente algo muito racional. Mas, se pensarmos em crenças esquisitas, o mito cristão é tão esquisito quanto, e muito menos feliz. Feriado do Coelhinho, já. Começou a campanha e unam-se a ela, caros leitores.
O mundo era o que era, e é certo lembrar dele como foi, para compreendermos melhor o que nos tornamos. Mas celebrar os seus piores aspectos, eternizando-os em nossa mente coletiva não me parece uma boa maneira de caminhar pela vida, como sociedade.
Guerras, lutas, morte, dureza, fome, constituíram a experiência central da humanidade por milênios, mas lutamos muito e superamos parte desse karma. Existem guerras, existe infelizmente ainda a fome. Mas a maioria dos humanos não está experimentando nada disso e provavelmente nunca irá ter a tristeza de passar por tanta desgraça. Temos vacinas, produzimos comida, criamos sistemas de governo centrados na ideia de que o bem comum deve ser buscado por todos e para todos. Queremos aprender a parar de aquecer o planeta, devastar sua natureza e eliminar a pobreza mais dura. Assim que conseguirmos isso e ainda por cima fizermos desaparecer o axé, estaremos bem. Isso, sim, merece ser celebrado, e creio que o Coelhinho, com sua mensagem de fertilidade e alegria será um ótimo representante do novo feriado.
Enquanto vocês pensam no assunto, vou aqui praticar a felicidade fazendo o meu inigualável chocolate quente, receita do Café Hermés, de Paris, com o maravilhoso chocolate Rey, em pó e em barra, vindo da Venezuela especialmente para essa ocasião.
Quem quiser se juntar a mim nos festejos da Nova Páscoa, é só pedir e eu mando a receita do chocolate quente perfeito. Uma feliz Nova Páscoa a todos, é o que lhes deseja esse seu servo, eu.
Marcelo Carneiro da Cunha
De São Paulo
Marcelo Carneiro da Cunha é escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens estão sendo produzidos a partir de seus romances "Insônia" e "Antes que o Mundo Acabe", publicados pela editora Projeto.
Fale com Marcelo Carneiro da Cunha: marceloccunha@terra.com.br
ou siga @marceloccunha no Twitter
enviado por Cláudio Sousa via E-mail
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