sábado, 10 de dezembro de 2011
CONSTRUÇÃO–UM PROBLEMA CRÔNICO
O peão teve um pesadelo e acordou-se atônito
E levantou-se atrasado em madrugada úmida
Arrumou-se atarantado que nem um sonâmbulo
Despediu-se da esposa num abraço elástico
E beijou suas crianças no beliche estáticas
Partiu para a construção com seu passo célere
Atravessou a rua num xotinho rápido
Chegou à construção atrasado e patético
E segurando o seu boné como se fosse flâmula
Desculpou-se com o mestre num jeitinho tímido
Subiu para a construção por uma escada flácida
Carregou materiais com os seus braços trêmulos
Sentiu pouquinha sustança dentro do estômago
A saudade das crianças lhe bateu no âmago
E sentiu todas as angústias de um dia fatídico
Infeliz naquele passo tão em falso e trôpego
Já voando pelos ares lhe faltava o fôlego
Se espatifou no chão nesse vôo hemorrágico
Esbarrou no fim da vida ali fechando as pálpebras
Numa queda ajoelhado esbagaçando as rótulas
A força da gravidade lhe deu castigo homérico
Numa pancada brutal estraçalhando as vértebras
Misturando no seu rosto sangue, dor e lágrima
Misturou sangue com barro numa salada química
E suspirou agonizante como se fosse um mímico
Umas folhas de jornais lhe serviram de túnica
Até morreu consciente que não tinha túmulo
Misturado com urina, sangue barro e vômito
Num velório improvisado com peões incrédulos
Numa triste despedida masoquista e sádica
Foi para o IML obedecendo aos trâmites
De uma Lei que exige laudo cadavérico
No processo da necrópsia retiraram as vísceras
Recebeu dos seus amigos as honras de mártire
E recebeu da família justas honras ao mérito
Acabou-se tudo ali em um velório mórbido
E depois foi carregado em um cortejo fúnebre
Recebendo em epitáfio homenagens póstumas
Deixando viúva e órfãos soluçando pêsames
Sem arrimo ou salva vidas como se fossem náufragos
Mas a construção civil é um problema crônico
Nega ao seu trabalhador a segurança mínima
Trabalha na corda bamba como se fosse um pêndulo
Arriscando toda hora integridade física
E marcado por cicatrizes como se fosse um cágado
Falta luva, falta bota, capacete e máscara
Falta roupa apropriada, falta cinto e óculos
Falta comida e remédio, sobra sangue e lástimas
Sobra até reclamações sempre na mesma tônica
Reclamando segurança nesse emprego sórdido
Ocorre que a construtora é sempre de um político
E o compromisso dele é sempre com números
A desgraça de pobreza para ele é cômica
Não importa se o peão teve uma morte trágica
Continua indiferente calculista e cínico
Tibúrcio Bezerra
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário