segunda-feira, 5 de abril de 2010

CABRITOS SEM CRITÉRIOS



No ano de 1.971, Antônio Ulisses Costa, de saudosa memória, marcou uma viagem à Fortaleza quando levaria seu avô Dirceu Pimpim para fazer uns exames médicos. Para ter uma companhia com gente da sua idade, convidou esse contador de causos e Alberto Siebra. Nós logo aceitamos, porque de graça a gente pegava até ônibus errado.
A partida foi num sábado de madrugada, quando eu e Alberto entramos na parte traseira do jeep, o coronel Dirceu perguntou ao seu neto:
- Pra onde é que esse menino de Piau vai?
- Esse menino vai mais nós pra ensinar a estrada porque eu não conheço.
- E Oberto irmão de Armicinda vai pra onde?
- Alberto vai para me ajudar a trocar pneu quando furar.
Viajamos pela estrada do algodão, quando passamos do Poço do Mato, Alberto soltou um canarinho que azedou o jeep. O coronel tapou o nariz, olhou para o neto e falou baixinho:
- Cabritos sem critério.
Paramos para o almoço numa pequena pensão na cidade de Quixeramobim, que pertencia a um amigo de José Carvalho. Uma senhora muito distinta nos atendeu e Antônio Ulisses encomendou uma comida sem sal para o avô e uma galinha pé-duro acompanhada de pirão e farofa para nós. Alberto mais Antônio Ulisses comeram tanto que eu já estava com pena da mulher. Já tinha vindo o pegado, os miúdos, farinha e até um cuscuz do dia anterior. Teve uma hora que a mulher na tentativa de acalmar a fome voraz dos dois teve a idéia de oferecer um suco. Olhou para Alberto e falou:
- O Senhor quer um ponche de abacaxi?
- Quero sim senhora.
A mulher trouxe num copo mas Alberto não gostou, olhou para ela e disse:
- Minha Senhora traga um litro.
A mulher assustada falou:
- Vixe Maria!
- Mas é um litro pra cada.
Depois do descanso do almoço seguimos nossa viajem e chegamos em Fortaleza já anoitecendo. Tiramos direto para a Av. dos Expedicionários onde morava Maria Amélia. Lá ficaram Alberto e Antônio e eu fui para o Jardim América deixando logo combinado um passeio na praia no dia seguinte.
No domingo cedinho fomos os três para a praia do Náutico onde tomamos bastante caipirinha. Já com as nossas cabeças quente pegamos um táxi para casa. Mas diz aí quem era o motorista? Eu digo, pois não era um sargento do exército reformado.Vale lembrar que nós estávamos vivendo no miolo da ditadura militar.
Quando nós chegamos no canal da rua Luciano Carneiro, apareceu uma catinga desgraçada de esgoto. Antônio Ulisses que ia no banco da frente de lado do motorista, colocou os dedos no nariz e falou:
- Tu tá peidando Raimundim?
- Não Senhor! Foi Alberto que abriu a boca pra cantar o hino nacional. Mas pra que eu fui dizer aquilo. O motorista deu uma brecada que esquentou o banco do carro. Em seguida foi descendo e começou a gritar: Desce todo mundo! E vocês dois aí estão presos por desrespeito ao hino nacional. Vamos descendo logo cambada de subversivo! Alberto olhou para mim com uma cara triste e disse:
- Tamo lascado Raimundim.
Antônio Ulisses que tinha servido no início da ditadura, tentou negociar usando termos militares e promovendo o sargento a capitão: Meu capitão! O senhor tem toda razão, é dever de todo brasileiro respeitar os símbolos nacionais, eu já fui militar e sei que é assim. Mas o senhor dispense os meninos porque esse baixinho tá leproso, veio aqui para Fortaleza para se internar. E aquele gordinho também tá doente – Fazendo um sinal girando o dedo em torno da orelha – Para o Senhor ter uma idéia, quando ele fica mais aperreado caga nas mãos, bota nos bolsos e fica jogando merda em todo mundo. Num ato de total sincronismo. Alberto simulou que estaria desabotoando as calças. Quando o motorista viu a arrumação ficou colocando Antonio Ulisses na sua frente como se fosse trincheira e foi logo gritando:
- Bem pessoal! Em atenção aqui ao colega de caserna eu vou dispensar vocês. Estão todos liberados. Vão com Deus.

Mundim do Vale.

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