quinta-feira, 15 de julho de 2010

Várzea Alegre e seus contrastes




Não tem jeito Várzea Alegre vive de certos contrastes mesmo em tempos de imensa explosão tecnológica e uso exacerbado dos meios de comunicação. Seria até compreensível isso nas décadas de vinte ou trinta do século passado. Não vivíamos como hoje. As relações eram outras. O modo de convivência e interação pouco se assemelha com o de hoje.

Mas estamos entrando na segunda década do século vinte e um e algumas coisas se repetem como antigamente. Ontem e hoje se cruzam nas ruas da cidade e se cumprimentam com uma naturalidade impressionante. Formando uma espécie de cidade fantasmagórica pós-moderna. É como se não existisse uma distancia cronológica entre passado e presente. O ontem fica posto no hoje que se reproduz através da facilitação de certas pessoas tidas como modernas, avançadas, progressistas.

O último caso foi de um Frei que não é Frei. Na cidade já tivemos uma padre que era casado, um calango que era carcereiro, um São Braz adorado como se fosse São Raimundo, um Jesus intimado e um bode como o marchante. Tudo parte da engenhosidade de um povo criativo, folclórico.

Agora a câmara de vereadores resolveu descobrir afinal quem era um frei que chegou por lá tentando reabrir um hospital. Resultado: descobriram que ele nunca havia sido frei. Juntou o padre, uma meia dúzia de advogados, os vereadores e todo um conjunto onipresente de curiosos para, como na Roma antiga, participarem de um ritual aberto de desmascaramento. O circo sem o pão.

A ida do paseudo-frei à terra dos contrastes estava intimamente associada a uma missão beneficente. Como representante de uma entidade ligada à igreja católica o principal objetivo era reabrir um hospital com recurso de Instituições Não Governamentais ONG’s da Alemanha e da Itália. Mas o projeto a priori altruísta começou a ganhar contornos partidários e o que seria mais uma ação de caridade entra para os anais do município como uma de suas “inexplicáveis” contradições.

Todos queriam dar um frei no Frei que nunca foi Frei. O padre fez uma ostensiva pesquisa nos anais da igreja para descobrir a real identidade do religioso, o advogado se disse decepcionado com o comportamento do novo “amigo” e o responsável pela entidade mantenedora do hospital disse que estava abandonando a parceria para reabri-lo.

Os parceiros no projeto de reabertura da casa hospitalar resolveram abandonar o barco por se sentirem traídos. Na terra dos contrastes pode acontecer de um tudo, menos a traição. Trair é um pecado mortal e ser traído por um “membro da igreja” é uma heresia sem o privilégio de indulgências. Todos para a fogueira, ou melhor, todos para o circo.

Sem isso não haveria contrastes e sem contrastes não haveria razão de ser para aquela Várzea. Afinal ela é Alegre e alegria se encontra no circo. Então vamos pesquisar na internet a identidade do ilustre desconhecido, do charlatão, do impostor se não ta no Orkut deve está no Twitter (todo mundo ta lá) ele deve está em algum lugar.
Para os que se sentiram violados ação. Hora de reunir todo mundo e dizer bye bye vamos pegar outro bonde esse não dá. Vamos fugir enquanto o circo não pega fogo. Ou melhor, vamos tocar foto no circo.

Agora só faltam duas coisas pra ficar completo: ressuscitar Zé Clementino para compor novamente a música e trazer pra fora da cova o rei do baião para imortalizar com aquela voz marcante os contrastes de Várzea Alegre versão dois mil e dez, remix. A câmara fará uma sessão especial para homenageá-los. Nenhum vereador faltará. Vai ter aplausos, presença maciça da população, o padre, o prefeito, o juiz. Toda a imprensa vai está lá. E o hospital? Ah o hospital. Deixa fechado. Deixa as velhinhas irem todas de branco rezar pra Deus. Quem sabe um dia ele reabre. Afinal, quem fechou?
Jurani Clementino

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