segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

ERAMOS EM OITO FILHOS


Éramos em oito filhos. Fui o quarto deles, nascido em casa, por parteira. Papai tinha uma loja de tecidos e de chapéus de feltro. Mamãe sempre teve uma paciência gigante e muita bondade no coração. O elemento dos dois era o homem, o homem e a vida de relações, o homem no coletivo, na comunidade: a amizade que valia mais que tudo, uma mão que lavava a outra, a palavra que selava um negócio, a fidelidade mesmo a um passado remoto, a hospitalidade como questão de honra...Coisas pouco usuais na vida de hoje.
Meus pais eram filhos de famílias tradicionais da região, na maioria pequenos agricultores, pecuaristas ou comerciantes, que cultivavam arroz, milho, algodão e criavam gado.
Houve no passado muito casamento eugênico, de modo que no tempo em que fui criança, toda a cidade parecia ser a minha própria casa, de tantos parentes. Era comum a descoberta casual de um parentesco entre pessoas que acabavam de se conhecer.
Nós fomos e somos grandes irmãos, até por necessidade, creio. De forma que um foi modelo para o outro, como em tantas outras grandes famílias da época, partilhando dos mesmos princípios morais e, no nosso caso, de uma desconcertante ingenuidade ao tratarmos de negócios.
Um herdou do outro o uniforme da escola e os livros. O guarda-roupa era coletivo (calças, camisas, meias e cuecas), até a idade em que cada pôde comprar a sua própria roupa, mas mesmo assim a barreira do privado foi sempre ultrapassada. Não nos acostumamos a festas em casa, por razões econômicas em parte, nem de Natal, sequer de aniversários, nessa ocasião o aniversariante era apenas lembrado e cumprimentado, e mamãe fazia um bolo em homenagem.
Os filhos homens começaram cedo, à partir dos 10 ou 12 anos, a ajudar o pai no comércio. Como éramos uma escadinha, com diferença de idade de no máximo 3 anos, sempre houve algum ajudando, na maior parte das vezes dois, em alguns momentos até quatro, nos dias de comércio mais intenso. E levando os estudos paralelamente ao trabalho, sete de nós nos formamos, com exceção do caçula, que já fazendo faculdade, decidiu abandoná-la. E essa foi uma história igual à de muitos brasileiros com diferença apenas de hora, intensidade e lugar, mas de significado e qualidade correspondentes.
Nas cantigas de roda éramos os pares, nos teatros de brincadeira formávamos o elenco, nosso ônibus de cadeiras estava sempre cheio, nosso quarto era repleto de redes, saíamos juntos, descobrimos muito juntos, formávamos um time no futebol, nas festas, no trabalho e na vida.
E quando falo em irmãos, incluo ainda os primos que moravam próximo e eram muitos. As nossas casas se confundiam, tios eram também pais, primos eram irmãos, além de companheiros na escola, nas presepadas, e na vida. Cada pedaço do que hoje nos tornamos, tem as digitais dessas tantas mãos.
Dr. Jose Bitu Moreno.


http://blogdosanharol.blogspot.com

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