terça-feira, 28 de setembro de 2010

HORA MORTA MORTA


LENTA e lenta a hora
Por mim dentro soa
(Alma que se ignora!)
Lenta e lenta e lenta,
Lenta e sonolenta
A lua se escoa...

Tudo tão inútil
Tão como que doente
Tão divinamente
Fútil - ah, tão fútil
Sonho que se sente
De si próprio ausente...

Naufrágo ante o acaso...
Hora de piedade...
Tudo é névoa e acaso
Hora oca e perdida,
Cinza de vivida
(Que Poente me invade?)

Porque lenta ante olha
Lenta em seu som,
Que sinto ignorar?
Por que é que me gela
Meu próprio pensar
Em sonhar amar?...

QUE MORTA esta hora!
Que alma minha chora
Tão perdida e alheia?...
Mar batendo na areia,
Para quê? para quê?
P'ra ser o que se vê

Na alva areia batendo?
Só isso? Não há
Lâmpada de haver -
- Um - sentido ardendo
Dentro da hora - já
Espuma de morrer?

FERNANDO PESSOA

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