quarta-feira, 25 de maio de 2011

Meu rei para sempre


Quando eu era pequena lá na roça, eu tinha um amigo ela era maior que eu um pouco, tinha seus 6 anos e eu 5, era tão legal, lembro como se fosse agora, eu tomava meu café com tapioca ou cuscuz, as vezes era mandioca ou batata doce, não tinha pão, então eu pegava um pedaço do que eu comesse e levava pra ele, todos os dias ele já estava lá em baixo do pé de jatobá, esperando, ele também tomava seu café com alguma mistura, porém nunca trouxe nada pra mim, mas eu não reparava nem perguntava o que ele comeu, sei que ele terminava de comer o que eu trouxe , passava as costas das mãos na boca e ia logo dizendo do que vamos brincar? Nós brincávamos de tudo, corre atrás das galinhas, dos bodes, atirar pedra nas vacas, tentar matar passarinho, subir em árvores mais baixas tipo siriguela, jacarana, umbu, cabaça ,sempre as mais baixas. Assim sempre brincávamos até a hora dos gritos da mãe dele ou da minha chamando para almoçar. Ele não morava longe era como se fosse quarteirões seriam uns dois. Neste dia ele não voltou depois do almoço, fiquei andando pra lá e pra cá, tentando uma brincadeira sozinha, mas nada dava certo, o negocio era meu amigo Paulinho chegar, mas deu hora de entrar e nada. Fui então tomar meu banho e ouvir historias do meu irmão Auderico.
Tomei meu café, peguei o a tapioca e fui pra fora encontrar meu amigo, meu único amigo. Decepção, dor, agonia, andava de lá pra cá e nada dele chegar. esperei até a hora de sua mãe o chamar para almoçar, resolvi então dar a tapioca pro piau, meu cachorro. Entrei quase chorando, nem me alegrei com tripa de porco que a mamãe tinha fritado, nem olhei direito pro prato e fui deitar na rede que ficava no corredor da casa de taipa que eu morava. A tarde inteira fiquei triste,já nesta época não sacia chorar, sempre fui assim, minhas lágrimas escorrem pra dentro, eu não as libero, senão embaixo do chuveiro, naquela época eu tomava banho de bacia e nem tinha essa idéia.
Tomei meu café mais rápido e fui correndo levando uma batata doce para meu amigo, nada! Ninguém por lá. Deu-me uma agonia danada, uma coisa amargando na boca, fui sem pensar correndo e sem olhar pra traz até a casa dele, piau me acompanhou, chegamos lá de uma corrida só, encontramos alguns meninos e algumas meninas brincando no quintal vizinho, mas meu Paulinho não estava, as crianças pararam de brincarem e vieram ao meu encontro, uma delas acho que a irmã dele, falou o meu irmão tá doente e não pode entrar ninguém lá por que pega, é catapora, ele tá cheio de bolinhas e com muita febre. Eu fui até o fundo da casa e procurei a mãe dele, ela falou-me a mesma coisa. Eu entreguei a batata pra ela entregar pra ela pegou a batata e foi até lá dentro e colocou em cima do fogão à lenha. Depois sem nem olhar se eu estava ainda pegou uma lata e foi pegar agua na cacimba, deixei ela sumir e entrei à procura do meu amiguinho, meu coração batia forte, quando virei um corredor dei quase por cima dele, estava deitado em uma rede forrado com folhas de bananeiras,estava sem roupas e seu corpo todo era bolinhas avermelhadas e roxas, até seu lindo rosto estava coberto por aquelas coisas feias. Ele assustou-se com minha presença e eu com o estado dele. Quase o abraço sai assim sem pensar, mas ele gritou forte: pare não chegue perto, você vai pegar também, mas eu passei a mão em sua cabeça e falei, não pego não e se pegar não tem nada demais, você pegou.Ele deu um meio sorriso, pois nem isto podia fazer de tanto que incomodava. Fiquei ali olhando pra ele e perguntei quando vai poder ir lá brincar comigo? Ele fez um gesto com os lábios como se não tivesse nem idéia. Eu falei Eu venho ver você. Passei novamente a mão em seus cabelos loiros e fui pela porta da frente. As crianças nem deram por minha correria. Fiquei o resto do dia triste, com aquela imagem em minha mente e uma vontade de estar lá com ele, era incrível nosso apego, algo lá no meu coração ficava alegre ao pensar e lembrar de nossas brincadeiras. Tive sonhos ruins e gritei enquanto dormia e minha mãe acordou-me, eram pesadelos, mas minha mãe já prometera dar-me daquelas malditas pílulas verde de óleo. Que nojo.
Assim foram sete dias escondidos, as vezes dava e as vezes não dava para vê-lo ai sim a agonia tomava conta do meu coração.
Teve novena em casa de mãe branca e fomos todos, mas ele não estava,perguntei pra sua irmã dele e ela falou que agora estava ficando bom e murchando e não podia sair mesmo. Nada ali tinha graça sem ele. finquei pé na arreia e fui até a casa dele que ficava bem perto, o vi pelo claro da lamparina sentado em um banco forrado com alguns panos, nem dei por conta como aconteceu, de repente estávamos abraçados, não dizíamos nada, éramos duas crianças que se gostavam e tinham afinidades. De repente senti duas mãos forte puxando pelos meus enormes cabelos pretos e cacheados, era minha mãe, que perguntando por mim alguém me denunciou, saiu puxando-me e dizendo coisas que eu nem compreendia, olhei apenas para traz e gritei te vejo depois.
Doía-me todo meu couro cabeludo quando Dasdores penteava meus cabelos, mas o que doía mais era o que ela dizia: Menina danada, deste tamanho já tem fogo no rabo, por isto não disgruda daquele galego, é todo tempo brincando só com ele. Tua mãe que não cuide de você não que vai é dar pro que não presta.Eu pensava comigo mesma, será que gostar de dele é uma coisa ruim? Mas porque? Ele vai ser meu rei e eu sua rainha, o Auderico contou uma história de um rei e uma rainha e que eles foram felizes para sempre e eu sei que nós também seremos felizes.
Não deu tempo eu reencontrar meu rei, fomos morar no Crato, e nunca mais vi o meu rei e se o visse nem o reconheceria, as crianças mudam muito principalmente nesta idade. Esquecer não foi fácil como dizem que pra criança tudo é esquecido rápido. Sempre lembrei dele, ainda hoje lembro seu rosto e seu último olhar pela luz da lamparina.
Eu poderia ter escrito este texto com palavras iguais falávamos naquele tempo, mas achei melhor passar minhas lembranças como elas ainda estão em minha memória.

Íris Pereira

http://www.irisreflete.com

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