segunda-feira, 16 de maio de 2011

PAULO MACALÃO, A CHAMADA QUE DEUS CONFIRMOU (CAPÍTULO 2)


Capítulo 2
SENHOR, TENHO SEDE DE TI!



Rio de Janeiro, 1923. As pessoas que se movimentam apressadamente pelas ruas de São Cristóvão não irão notar naquele rapaz de mediana estatura, a pele clara, as mãos nos bolsos e os olhos fixos no chão, caminhando devagar, completamente entregue aos seus pensamentos. São quase seis horas da tarde.
Pelas calçadas da Rua São Luís Gonzaga, os transeuntes apressam o passo, na pressa de chegarem em casa para o descanso e a refeição em família. A noite se aproxima, silenciosa e submissa. O vento sopra, suave e insistentemente, varrendo as ruas. Súbito, aquele rapaz pára, abaixa-se e apanha alguma coisa que vinha rolando pelo chão.
Ninguém deu a mínima importância a esse seu gesto. Um rapaz humildemente vestido, de humildes atitudes e olhar pacífico, segurando com ambas as mãos um pequeno papel amarrotado e tentando ler o que nele estava escrito, dificilmente despertaria a curiosidade de alguém.
Mas se os homens soubessem quem era esse homem e o que estava escrito naquele papel, ajunta-se-iam à sua volta para admirá-lo.
Se os anjos, contemplando a Terra, divisassem aquele moço a maravilhar-se pouco a pouco com o que lia, cantariam hosanas a Deus que, naquele momento, estava iniciando a maravilhosa convocação de um laborioso e zelosíssimo ceifeiro para a sua seara.
E se os demônios descobrissem que o rapaz chamava-se Paulo Leivas Macalão, e o papel era um folheto evangélico que a providência divina havia posto diante dos seus olhos, ter-se-iam ajuntado furiosamente contra ele e, formando uma grande casta, soprariam com toda a força dos seus diabólicos pulmões sobre aquele papel, na tentativa de evitarem que aquela semente, lançada ao vento e recolhida pelas mãos daquele moço, frutificasse em tantas e tão frondosas árvores, e que ele viesse a se tornar um dos grandes patriarcas da Fé no Brasil, um dos maiores condutores do rebanho de Jesus Cristo sobre a Terra.

Paulo Leivas Macalão não suspeitava da importância daquele achado nem da repercussão que o folheto teria em sua vida. Porém sua alma há muito desejava algo que até então não encontrara em parte alguma, algo que o preenchesse, que o alimentasse, que o definisse.
Pois sua vida estava mergulhada em uma angustiosa e muda indecisão. Os anos que passara estudando no Colégio Batista haviam contribuído para aguçar ainda mais aquela sensação de desconforto, de necessidade de algo que satisfizesse o seu interior e o pacificasse consigo mesmo.
Ele ainda não encontrara explicação para a inveja que havia sentido quando, no Colégio Batista, vira os seminaristas reunidos e entregues ao estudo da Palavra de Deus. O que estudavam eles que ele também não pudesse estudar? Por que estavam tão entusiasmados diante de um livro cujo conteúdo ele mal conhecia através das leituras que ouvira durante as missas, e, assim mesmo, leituras feitas em latim?
Desejava muito aprofundar-se no estudo desse livro misterioso, a Bíblia. Concluindo o ginásio e desejando completar seus estudos secundários, matriculou-se no Colégio Pedro II, sempre possuído daquela sensação de que algo de muito profundo e de muito belo lhe faltava.
Naquela época, a grande maioria dos professores do Colégio Pedro II professava abertamente o ateísmo. Pois o Brasil da década de 20, com relação ao seu posicionamento diante dos estudos religiosos e científicos, oscilava entre a tradição e o cientificismo. E essa atitude fazia com que, em assuntos religiosos, a opinião dos pseudo-sábios prevalecesse no espírito da juventude estudiosa.
Quando, durante as aulas frequentadas por Paulo, as preleções giravam em torno de Deus e de sua existência, a classe se dividia entre os que criam e os que não criam em Deus.
Sedento da verdade e sentindo-se afrontado em suas convicções, o jovem Paulo discutia com ardor acerca de um assunto que lhe tocava profundamente, desde as suas mais remotas origens. Sua infância, o ambiente em que se criara, os ensinamentos de sua mãe e o que aprendera depois – tudo era de total significação para ele, e ele jamais poderia ficar calado diante de dúvidas e acusações de inexistência do Ser Maravilhoso que enchera sua infância de profundidade e beleza.
Além do mais, nos tempos do Colégio Batista, ele ouvira o grande teólogo Langston discorrer acerca de muitos assuntos que despertavam a sua curiosidade. Langston impressionava a todos pelos seus sólidos e diversificados conhecimentos teológicos e bíblicos, pela sua largueza e firmeza de visão, e pela sua vida de alto conteúdo espiritual.
A primeira geração de pastores e pregadores brasileiros contraiu uma grande dívida para com ele. E o grande líder que seria Paulo Leivas Macalão obsorveu e guardou para si, nas várias ocasiões em que ouviu esse teólogo pregar, as qualidades necessárias a um legítimo homem de Deus, à envergadura inconfundível de um propagador da fé.

Mas aquelas discussões com os professores do Pedro II enchiam sua alma de agitação e tristeza.
Foi após uma dessas polêmicas que ele saiu a andar pelas ruas de São Cristóvão, silencioso e cabisbaixo. E foi então que achou aquele pequeno pedaço de papel impresso, aparentemente insignificante, mas que iria mudar completamente o rumo de sua vida.
O folheto convidava o leitor a comparecer aos cultos que se realizavam na Igreja de Deus, também conhecida como Igreja do Orfanato, situada na Rua São Luís Gonzaga, número 12. O jovem Paulo resolveu visitá-la, e, do contato e conhecimento que fez com os irmãos que ali congregavam, tornou-se admirador e amigo do Evangelho.
Entre esses irmãos havia alguns que tinham aceitado a Jesus no Norte do Brasil – região por onde o Evangelho pentecostal havia penetrado, trazido pelos missionários Gunnar Vingren e Daniel Berg, dois homens enviados por Deus para, através de longas e perigosas caminhadas e pregações em um idioma para eles quase desconhecido, acenderem a tocha evangélica da salvação proporcionada por Jesus nos corações dos que povoavam as imensas terras do Brasil.
Naquela igreja realizavam-se cultos aos domingos de manhã. Após os cultos, os irmãos atravessando o Campo de São Cristóvão, falavam do amor de Deus aos pecadores que encontravam ao longo do trajeto que se estendia até a Rua Senador Alencar, número 17, residência do irmão Eduardo de Souza Brito. Ali chegando louvavam o nome do Senhor, oravam e se despediam.
O irmão Eduardo era esposo da irmã Florinda Brito. O casal tinha seis filhos: Carlos, Sílvio, Armando, Otávio, Natalina e Zélia. Não sabia o irmão Eduardo que sua filha Zélia seria a extremada esposa e dinâmica ajudadora de Paulo Leivas Macalão, um dos grandes pioneiros da fé evangélica no Brasil.

O Senhor muito se alegraria do seu servo, pois naquele lar dedicado à adoração e ao júbilo a Assembleia de Deus nasceria, e o número dos remidos cresceria diante de Deus.
Paulo Macalão tornou-se assíduo nas orações realizadas na casa do irmão Eduardo. Para o general João Maria Macalão, aquelas repetidas e longas ausências de seu filho, andando por lugares que ele desconhecia, aliando-se a pessoas que se entregavam a práticas religiosas por ele reprovadas, eram motivo de constantes preocupações.
O general, contrariado com a atitude do filho, pediu-lhe que parasse de frequentar a casa “daquela gente”. Alguém lhe dissera que aquele povo era pobre e sem princípios, e costumava acercar-se de qualquer pessoa na rua, tentando convencê-la a passar para o lado deles.
Quando se reuniam, cantavam e oravam de modo a serem ouvidos por todos, o que para ele, era uma afronta ao decoro e à ordem.
Paulo ouviu aquelas acusações, silencioso e profundamente triste. Se o seu pai soubesse quem realmente era aquele povo barulhento!...
Todos em sua casa sabiam do quanto ele, Paulo, preocupava-se com sua salvação. Outra coisa não havia que ocupasse tanto o seu pensamento como o destino que teria sua alma. Desde os tempos do Colégio Batista vinha ele fazendo perguntas nesse sentido, e de ninguém obtivera resposta que o satisfizesse.
Mas fora justamente após os primeiros contatos que tivera com aquele “povo barulhento”, que sua vida começara a mudar. Havia algo de muito belo e muito puro naquele povo. Algo que o atraía, que o levava a frequentar aquelas reuniões espirituais, aqueles ajuntamentos revestidos de mistérios divinos, simplices, à luz das lamparinas de querosene.
Noites de súplicas, de cânticos, de leituras da Palavra de Deus, de testemunhos, de curas, de salvação e de suave conforto do Espírito Santo. Em 5 de abril e 1924, Paulo Leivas Macalão converteu-se ao Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo.
Sua conversão contrariava a vontade de seus familiares, sobretudo de seu pai. Mas o Espírito de Deus havia colocado em seu coração o amor, a perseverança, o zelo pela fé que abraçara.
Os dias que transcorreram após aquela data, amargos e difíceis, mais e mais o aproximaram de Jesus.
De que adiantariam o silencio em família, as incompreensões, os dissabores gerados por sua transformação, se a preço de lágrimas, feridas, afrontas, o sangue de Jesus Cristo abrira aquele glorioso caminho de salvação para ele? Quem o separaria do amor de Cristo?
Os crentes reunidos na casa do irmão Eduardo, cantavam o hino “vem, meu libertador”, quando subitamente a Fonte de Águas Vivas começou a jorrar de dentro dele, o verdadeiro Sol resplandeceu sobre o seu rosto, e sua alma foi possuída pela verdadeira Luz. (Continua)

Jefferson Magno Costa

http://jeffersonmagnocosta.blogspot.com

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