quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A alegre várzea de Papai Raimundo


Papai Raimundo é o nome afetivo como ficou sendo chamado Raimundo Duarte Bezerra, o patriarca de Várzea Alegre. Esse personagem histórico daquela cidade cearense, que abre as portas para a região do Cariri, é representante da terceira geração dos iniciadores do povoamento do município. O primeiro deles foi o alferes Bernardo Duarte Pinheiro. Foi esse que com um irmão e um amigo português, em 1717, percorrendo a região, chegaram a uma planície verde em torno de uma lagoa, com muitos pássaros cantantes, e então exclamaram: "Que várzea alegre"!

Várzea Alegre foi o nome adotado pela povoação que ali surgiu e que se transformou na próspera cidade de hoje. Não é apenas econômico o seu crescimento, é também cultural. Em um censo feito recentemente, descobriu-se que aquela cidade já produziu 62 escritores, isso sem contar inúmeros compositores e músicos. Há também duas escolas de samba já famosas na região, dado o brilho com que desfilam pelas ruas da cidade, no carnaval. Há tantos dados para serem citados, que só mesmo lendo esse livro de Maria Linda Lemos Bezerra, "Fragmentos para a história de Várzea Alegre".

São 294 páginas, editadas pela RDS Editora, com estatísticas, fatos históricos, perfis biográficos e até o folclore da cidade. É tanto que a autora inicia com a história do Município, entrelaçando a religiosidade em torno do padroeiro São Raimundo Nonato com a saga de dois mitos que entraram na tradição oral da comunidade, padre José Otávio de Andrade e Maria de Bil.

Padre José Otávio foi vigário de Várzea Alegre de 1935 a 1969. Esse padre casou-se duas vezes e teve sete filhos. Depois da segunda viuvez voltou ao Seminário do Crato e terminou ordenando-se padre. Celebrou o casamento de uma filha, assistiu à ordenação de um filho e batizou seis netos.

A partir daí Linda Lemos faz um levantamento de todos os padres que vicariaram em Várzea Alegre, desde o primeiro deles, Padre Benedito de Souza Rego, em 1864, até o décimo terceiro e atual, Padre José Mota Mendes, que desde 1969 dirige aquele rebanho cristão.

Essa preocupação em mostrar a história religiosa da cidade também demonstra o quanto o padroeiro São Raimundo Nonato é reverenciado não só no município, mas até em outras comunas da região. Há portanto um percentual enorme da população com o nome de Raimundo, Raimunda, Mundico, Mundica, Mundeiro, Mundinha e Mundinho.

Essa influência do Santo extrapola os limites do município. Prova disso é que mesmo tendo me criado a 20 quilômetros de Várzea Alegre e ser de Lavras da Mangabeira, minha mãe se chamava Raimunda, tenho um irmão Raimundo, um tio, e meu bisavô era Raimundo. Isso é comum nas famílias da região. Por isso que há uma fartura de Raimundos no livro de Linda Lemos.

Com relação ao mito de Maria de Bil, é preciso que se retorne para a década de 1920. Em 1922, ela casou-se na Igreja Matriz de São Raimundo Nonato, com Bil, um migrante vindo das bandas do Iguatu. Na mesma ocasião, mais 24 casais se casaram, entre eles, personalidades que fizeram história na cidade. Maria e Bil foram morar no sítio Inharé na ribeira do Riacho do Machado. Ali Bil se envolve com uma cunhada, Madalena, e o casamento se complica ainda mais quando tudo é descoberto e Bil quer forçar Maria a se mudar para outro sítio. Sentindo-se desprezado pela mulher, Bil trama sua morte e numa emboscada, em 11/03/1926, a executa com facadas. As circunstâncias do crime foram tão cruéis que hoje em dia a população reverencia Maria, fazendo peregrinações ao local do crime onde ergueram pequena capela.

Esse e outros fatos, a autora vai relatando, baseada em documentos oficiais mas principalmente apoiando-se na tradição oral. Esse resgate evita que fatos como esse e outros que ela apresenta, caiam no esquecimento das novas gerações. Um exemplo é a presença, no seu livro, do curandeiro Emídio da Charneca, que atendia a toda a população da região e que, ainda hoje o povo o nomina, de Emílio da Charneca. Só com a publicação desse livro é que fiquei conhecendo seu real nome, pois muitos de meus ancestrais a ele recorreram nas horas de dificuldades.

Linda Lemos, além da história e do folclore, apresenta a geografia e a demografia do município, as principais atividades econômicas e sociais da população, os setores de assistência à saúde e à educação, a evolução política com seus principais operadores bem como as principais expressões artísticas e culturais. Daí merecer destaque seu levantamento bibliográfico em torno do Padre Vieira (Antônio Batista Vieira) e a luta dele pela preservação ambiental, principalmente sua bandeira de proteção ao jumento. Além do livro "O jumento, nosso irmão", há toda uma relação de obras importantes que esse padre nos deixou. Também mostra a importância dos políticos, prefeitos e deputados filhos da terra, bem como das duas escolas de samba "Unidos do Sanharol" e "Unidos do Roçado de Dentro", ambas com centenas de passistas animando todo ano o carnaval da cidade. É por isso que ao término da leitura desse livro de Linda Lemos, o leitor, mesmo que não tenha ido a Várzea Alegre, sente-se como se lá já tivesse estado várias vezes e compartilhasse da alegria daquela várzea que perdura desde o tempo do avô de Papai Raimundo.

Batista de Lima

caderno3@diariodonordeste.com.br


http://diariodonordeste.globo.com

Um comentário:

  1. gostaria muito de saber sobre este curandeiro Emídio pois gnd criança ouvi minha mae falar sobreele dizendo ate ser tio dela. como n/ tenho mas ela viva gostaria de saber sobre familiares pois n/ coheço ninquen da parte dela..

    ResponderExcluir